O Conselho Diretor da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), composto por sua Diretoria e seu Conselho Científico, em reunião de 25 de outubro de 2011, aprovou e vem apresentar uma moção a ser encaminhada ao Ministro da Saúde, ao Ministro da Ciência e Tecnologia, ao Ministro da Educação, ao Presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado Federal, ao Presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara de Deputados Federal, ao Presidente do CNPq, ao Presidente da CAPES, ao Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, ao Presidente da Academia Brasileira de Ciências, no sentido da urgente separação da regulamentação da ética em pesquisa em ciências sociais e humanas da regulamentação da ética em pesquisa em ciências biomédicas.
Justificativa

A Resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, vinculado ao Ministério da Saúde, instituiu um sistema nacional de regulação da ética em pesquisa “que envolvem seres humanos”, centrado numa Comissão Nacional da Ética em Pesquisa (CONEP) e em comissões locais (CEPs).

Nesse marco institucional, a resolução foi claramente construída tendo em mente a necessária regulamentação das pesquisas biomédicas. No entanto, foi indevidamente estendida a toda e qualquer pesquisa com “seres humanos”, incluindo, assim, a antropologia, a sociologia, a psicologia, a psicologia social, a educação e todas as demais ciências sociais e humanas que se ocupem de pesquisa direta com sujeitos sociais.

Desde sua vigência, então, parte significativa das pesquisas em ciências sociais e humanas, quer tratasse ou não de questões relativas à saúde, teve que se submeter ao regime da avaliação pelo sistema CONEP/CEPs, enfrentando-se, numa situação de antemão desfavorável, com o desconhecimento e a intromissão indevida de profissionais treinados em outras lógicas científicas, hegemônicos no sistema, o que evidenciou, na prática, o descompasso da referida resolução em relação aos problemas éticos nas  pesquisas em ciências sociais e humanas.

Entre os inúmeros problemas enfrentados, menciona-se:

•    a multiplicidade e complexidade dos aspectos éticos das pesquisas sociais e humanas não contempladas na regulamentação biomédica oficial, incorporada na Resolução e fundada na lógica de ciências positivas;
•    a desconsideração da condição “poderosa” dos agentes da pesquisa biomédica nas sociedades contemporâneas, e no campo científico em particular, que contrasta com a condição dos agentes da pesquisa social e humana;
•    a inadequação do “termo de consentimento livre e esclarecido” para resolver as dificuldades éticas da pesquisa em ciências sociais e humanas, pelos riscos de reificação contidos na assinatura de um documento escrito como garantia de procedimentos éticos;
•    os riscos de generalização de uma atitude de construção de fachadas apenas para satisfazer os critérios formais do sistema CONEP/CEPs;
•    o desconhecimento e a desconsideração das diferenças entre os protocolos da pesquisa científica naturalista e as exigências éticas na pesquisa científica social e humana, particularmente pela abertura desta última à experiência de campo e seus imponderabilia;
•    o desconhecimento e a desconsideração  das condições particulares enfrentadas na pesquisa social com situações liminares, ilegítimas ou ilegais, incapazes de serem subordinadas à convenção de termos de consentimento, escritos e assinados;
•    o acréscimo de mais uma instância – e em nada justificável – na complexa burocracia do acesso para pesquisa social e humana junto a populações indígenas.

Diante dos constrangimentos enfrentados pelos pesquisadores das ciências sociais e humanas no atual quadro da regulamentação da ética em pesquisa no país, afirmamos a imprescindibilidade do controle ético de quaisquer pesquisas científicas, com ou sem “seres humanos” e reconhecemos o enorme avanço representado pela existência de uma  Resolução de âmbito nacional para a regulamentação das pesquisas biomédicas “que envolvem seres humanos”,  diante do necessário controle da pesquisa experimental em seres humanos, característica das ciências biológicas e médicas.

Nesse sentido, manifestamo-nos a favor da manutenção da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, ao mesmo tempo em que insistimos na urgência da delimitação de sua abrangência, que deve ser restrita às pesquisas no campo biológico e médico. Denunciamos, assim, a situação anômala, injustificável e insustentável da subordinação das pesquisas de ciências sociais e humanas à referida Resolução.

Propomos:

•    revisão urgente da Resolução citada, de modo a retirar de seu raio de ação as pesquisas em companhia de “seres humanos”, das ciências sociais e humanas, completamente diversas, em seus fundamentos e práticas, das pesquisas biomédicas;
•    revisão imediata dos códigos de ética específicos de cada área de conhecimento no âmbito das ciências sociais e humanas (o Código da ABA é de 1988 e já se encontra em revisão), atentando para as diferenças entre questões de ética profissional e de ética em pesquisa;
•    discutir a elaboração de outra Regulamentação, específica para as ciências sociais e humanas, com a participação de pesquisadores dessas áreas,  possivelmente no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia.
exigir a representação das ciências sociais e humanas na discussão de quaisquer outros diplomas legais em tramitação ou que venham a tramitar no Legislativo Nacional sobre a temática da ética em pesquisa “que envolve seres humanos”, no sentido de um efetivo controle da ética em pesquisa no país.

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