Flávio Dino, entre a justiça e a política

Rogério Arantes
(USP)

Publicado em 31/01/2023

Flavio Dino foi juiz antes de ser político profissional, e foi político antes de ser juiz federal. Consta que foi líder estudantil e fez campanha para Lula já em 1989, quando era estudante de Direito. Formado em 1991, passou em 1º lugar no concurso da Justiça Federal em 1994. Foi magistrado por 12 anos, mas a veia política levou o juiz a presidir a Associação Nacional dos Juízes Federais (2000-2002) e a participar ativamente do debate público sobre a reforma constitucional do Judiciário. Instalado o Conselho Nacional de Justiça, foi nomeado seu 1º secretário-geral (2005-2006). Abandonou o cargo vitalício de juiz para se arriscar e se eleger deputado federal pelo Maranhão em 2006, pelo PCdoB. Tentou em 2010, mas foi em 2014 que se elegeu, no 1º turno, governador do estado, derrotando um aliado de Sarney. Foi reeleito em 2018, dispensando igualmente o 2º turno. Em 2022, no PSB, conquistou outro cargo majoritário, o de Senador maranhense.

Numa das conjunturas mais críticas da história política brasileira, Dino não foi apenas um dos primeiros a dizer que somente Lula conseguiria derrotar Bolsonaro em 2022, como pregou ampla aliança em torno do petista, quando muitos ainda acreditavam na hipótese da 3ª via, algo que Dino também muito cedo descartou. Quando Lula montou a segunda-via-e-meia com Alckmin, Dino anteviu as chances de vitória da chapa. Em meio ao errático e tumultuado ano eleitoral, sua leitura fina da política brasileira só produziu acertos.

Do judiciário ao legislativo, do legislativo ao executivo, Dino chega ao Ministério da Justiça e Segurança Pública acumulando experiência nos três poderes. Mal tomou posse e se viu diante do desafio de defender todos eles e de atuar pela responsabilização dos que destruíram seus palácios no dia 8 de janeiro. Pelo menos nesse início de governo, Dino será um dos ministros mais demandados de Lula. Parodiando a transição democrática dos anos 1980, caberá a ele a missão de remover o entulho autoritário bolsonarista instalado especialmente nas forças de segurança.

Sob Bolsonaro, o Ministério da Justiça se viu embotado pelos interesses mais obscuros do presidente. Com Dino, Congresso, STF e governadores de estado responsáveis pela segurança pública voltam a ter na pasta um interlocutor ativo e poliglota, que sabe falar as línguas parlamentar, do direito, da federação e da política. Sob sua gestão, a Polícia Federal terá a chance de restabelecer no comando a geração pré-lavajatista que desenvolveu o ethos da “qualidade da prova”, com autonomia e encaixada como polícia judiciária no sistema judicial. A reforma da segurança pública começará pela capital do Distrito Federal e quiçá inspire algo na mesma direção nos estados. No STF, Alexandre de Moraes não terá que agir tantas vezes de ofício uma vez que ganhará um agente provocador de peso contra as milícias antidemocráticas. Em dobradinha de ataque com a Advocacia Geral da União, o time se completa, resgatando a estampa do modelo constitucional de 1988.

Lula não será candidato à reeleição e abrigou em seu ministério pelo menos seis pré-candidatos rumo a 2026, para ficar apenas nos nomes mais fortes. Flávio Dino é um deles, ao lado de Haddad, Alckmin, Tebet, Marina e Wellington Dias. Seja como for, com mandato de 8 anos no Senado, vagas a serem abertas no STF e com uma raia livre para disputar a sucessão presidencial, o destino do poliglota Flavio Dino não guarda fronteiras entre a justiça e a política, devendo permanecer em algum ponto da praça dos três poderes, aquela que hoje ajuda a reconstruir.

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