A ANPOCS se une a intelectuais negras e negros para repudiar o extermínio perpetrado pelas forças de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro.

Esclarecimento

A nota a seguir é um esforço coletivo dos principais e mais importantes intelectuais e acadêmicos-acadêmicas negras do Brasil na atualidade, marcando, por um lado, uma firme posição de repúdio ao massacre cometido pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, chefiado pelo senhor Cláudio Castro, e por outro, expressando nossa solidariedade às famílias, em sua maioria composta por pretos, pardos e pobres, que tiveram seus entes queridos mortos neste triste episódio da história brasileira. Assinam a nota nomes como: as sociólogas da USP e do Cebrap, Flávia Rios e Márcia Lima, que organizaram o conjunto de textos de Lélia Gonzalez, Por um Feminismo Afro-Latino-Americano (Zahar), o filósofo e ensaísta Douglas Rodrigues Barros, autor do livro O Que É Identitarismo (Boitempo), o psicanalista e professor de filosofia na UFPE, Érico Andrade, que escreveu recentemente com Thaís Klein, Cartas a Um Velho Terapeuta: A experiência de uma psicanálise não identitária (N-1), a filosofia Maria Fernanda Novo da Unicamp, coordenadora do Dossiê Filosofias Negras para última Revista Cult, a historiadora Ynaê Lopes da UFF, que escreveu Racismo Brasileiro (Todavia), o historiador e intelectual marxista Jones Manoel, militante do PCBR e autor do ensaio sobre Guerreiro Ramos, A Negação do Brasil Negro (Autonomia Literária), a psicanalista Priscilla Santos, a intelectual marxista Letícia Parks do MRT, organizadora do livro A Revolução e o Negro (Iskra), o cientista político e sociólogo, Luiz Augusto Campos, professor no IESP-UERJ e atual editor-chefe da Revista Dados e Vanessa Oliveira, jornalista e professora de jornalismo na PUC-SP e no Mackenzie.

Nota de Repúdio de Intelectuais e Acadêmicas Negras e Negros sobre a Chacina de 28 de Outubro de 2025 nos Complexos do Alemão e da Penha.

Os fatos estarrecedores de um dos dias mais tristes da história recente da sociedade brasileira exigem de nós intelectuais e acadêmicos/as negros uma forte posição política de repúdio diante do extermínio perpetrado pelas forças de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro.

As mãos do governador Cláudio Castro estão manchadas de sangue das vítimas do que ele, com o cinismo típico das elites e supremacia branca deste país, chamou de operação o cumprimento de “Mandado de Busca e Apreensão” nas comunidades do Complexo do Alemão e da Penha. Sob as ordens do governador, do Secretário de Segurança Pública e da cúpula das polícias militar e civil foram mortos, até este momento, mais de 100 pessoas, em sua maioria homens, jovens e adolescentes, não-brancos. É a maior chacina já vista pela sociedade brasileira.

As informações divulgadas pela imprensa corporativa e pela imprensa independente, progressista e de esquerda, dão conta de que há cabeças decepadas, corpos com as mãos e pés amarrados e tiros no rosto, demonstrando o claro elemento de execução sumária de indivíduos rendidos e já desarmados. Foi, definitivamente, um morticínio, este, sim, planejado pelo poder político chefiado por Cláudio Castro. As polícias sob seu comando, formadas na cartilha do racismo mais vil e desumano, agiram como verdadeiros sicários.

Deste ato de genocídio, insistimos, um dos mais letais se não o mais letal praticado contra pobres, negros (pretos e pardos), adultos e jovens, restou, como sempre na racista história brasileira, para que mães, irmãs, primas, tias, avós e madrinhas, a crueldade de suportarem não só a dor de perder um familiar, mas de terem de recolher os corpos, mais de 70, deixados na mata, para onde foram encurralados, após serem assassinados pela polícia. Colocados em plena luz do dia nas ruas da comunidade, dezenas de cadáveres com marcas de tiro, eram expostos para o reconhecimento dos familiares. As lágrimas, choros, gritos de desespero e incredulidade são indescritíveis e inenarráveis.

O conjunto de intelectuais e acadêmicos negros e negras que assinam essa nota não só repudiam, veementemente, as ações assassinas, irresponsáveis, politiqueiras e covardes de Cláudio Castro e seus subordinados, diretamente responsáveis por este massacre. Exigimos que este senhor, que usa dessa manobra sórdida e inescrupulosa, para alavancar sua candidatura a senador ou a outro cargo do nosso sistema político, bem como para reposicionar as forças da direita depois de flagrantes infortúnios com a condenação de Jair Bolsonaro pela trama para o golpe de 08 de janeiro de 2023, seja responsabilizado pelas mortes ocorridas nos complexos do Alemão e da Penha. Exigimos, sem sermos ingênuos, pois sabemos o que significam tais procedimentos no âmbito do jogo de força dos poderes vigentes e das classes dominantes que aí atuam, que ocorram perícias independentes para não haver desvio nas investigações das mortes. Exigimos que o Ministério Público Federal, o Ministério dos Direitos Humanos e o Ministério da Igualdade Racial haja de maneira implacável para imputar culpa ao governador Cláudio Castro pela barbárie que cometeu no fatídico dia 28 de outubro de 2025. Pela federalização dos crimes!

Exigimos que o Estado permita o acompanhamento de uma investigação independente, com organismos de direitos humanos, com acadêmicos e acadêmicas especialistas na crise social e de segurança pública do Rio de Janeiro e outros setores que tenham legitimidade popular. Essa investigação independente tem que ter a garantia por parte do Estado dos recursos necessários para as atividades de apuração respectivas, acesso aos arquivos de inquirição, contratação de peritos independentes, controle na produção de provas, entrevista com as testemunhas e acesso a todo o tipo de informação produzida por parte do Estado.

Por fim, nos solidarizamos profundamente com todas as famílias e mulheres que tiveram seus filhos, maridos, netos, sobrinhos e afilhados executados sumariamente. O que podemos lhes ofertar como intelectuais e acadêmicos/as negros e negras neste momento de dor é nossa indignação, repúdio e solidariedade.

Assinam:

Acácio Sidinei Almeida Santos (UFABC)

Adeildo Vila Nova (UE de Montes Claros/TJ-SP)

Ana Cláudia Castilho Barone (FAUUSP)

Ana Maria do Espírito Santo (Unifesp)

Ana Paula da Silva (UFF)

Andréa Lopes (UNIRIO)

Andrea Rocha (UEL)

Ayah Akili (UFG)

Bárbara Soares (USP/Gira)

Cesar Baldi (Universidad pablo de Olavide/TRF4)

Cris Sabino (UFSC)

Daniela Vieira dos Santos (Unicamp)

Deivison Faustino (USP)

Dennis de Oliveira (USP)

Dougla Rodrigues Barros (Unifesp/USP)

Dulci Lima (UFABC/USP)

Edilza Sotero (UFBA)

Elisabete Pinto (UFBA)

Érico Andrade (UFPE)

Érika Frazão (UFF)

Evânia Maria Vieira (FESPSP)

Fábio Nogueira (UNEB)

Fatima Souza (UFBA)

Fernando Moreira-Zau (UFF)

Flávia Rios (USP/Cebrap)

Gabrielle Ribeiro Nascimento (PUC-SP/USP)

Guilherme Marcondes (UFRJ)

Ilse Goes Silva (UFMA)

Jane Barros Almeida (UERJ)

Jacqueline Guimarães (UFPA)

Joana Coutinho (UFMA)

Jones Manoel (UFPE/UFAL/PCBR) José Vagner Silva (IFRO)

Juliana Vinuto (UFF)

Leonardo Silvério (USP/Calibã)

Leopoldo Guilherme Pio (Fcs/ UNIRIO)

Letícia Parks (USP/MRT)

Lourenço Cardoso (Unilab)

Luiz Augusto Campos (IESP-UERJ)

Magali Almeida (UFBA)

Márcia Lima (USP e Afro-Cebrap)

Maria Antônia (UFPA)

Maria Fernanda Novo (Unicamp)

Maria Helena Elpídio (UFES)

Márcio Farias (PUC-SP)

Matheus Gato Jesus (Unicamp)

Muryatan Barbosa (UFABC)

Nilson Lucas Gabriel (UEM)

Osmundo Santos de Araújo Pinho (UFRB)

Paulo César Ramos (Afro-Cebrap)

Paulo S C Neves (UFABC)

Petrônio Domingues (UFS)

Priscilla Santos (USP/UFABC)

Rachel Gouveia (UFRJ)

Rafaela Procknov (IFSP)

Regimeire Oliveira Maciel (UFABC)

Renata Gonçalves (Unifesp)

Ronaldo Tadeu de Souza (UFRJ/Cedec)

Sandra Vaz (UFF)

Tales Formazier (Unifesp)

Tessa Lacerda (USP)

Thula Pires (PUC-RJ)

Tiago Mesquita (USP)

Vanessa Oliveira (PUC-SP/Mackenzie)

Wagner Romão (Unicamp)

Wallace Moraes (UFRJ)

Wanderson Chaves (USP)

Wania Mesquita (UENF)

Ynaê Lopes (UFF)

Zaira Sabry Azar (UFMA)

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