Por Silvana de Souza Nascimento

Publicado originalmente em 08/03/2021

O lançamento, neste ano, do “Edital Família e Políticas Públicas no Brasil” por meio de uma cooperação entre a CAPES e a Secretaria Nacional da Família do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, culmina com a constatação do óbvio: o financiamento a pesquisas em nível de pós-graduação que possam reforçar às ideologias ultraconservadoras de um Estado que busca, a qualquer preço, retornar ao caquético patriarcado.

O modelo patriarcal, cuja figura central gira em torno do poder do pai, até a nossa democracia ruir nos últimos anos, parecia estar adormecido e apenas dava suas honras em alguns cenários que insistiam em preservar as moralidades das “famílias de bem”. Hoje ele está presente fortemente no Estado e surpreendemente em um edital de fomento à pesquisa: “um bom filho à casa torna”.

O patriarcado, ainda que sempre tenha sido o grande inimigo dos movimentos feministas, já não era mais o alvo de atenção das agendas de pesquisa dos estudos de gênero e sexualidade no Brasil há tempos. Contudo, este edital deixa evidente seu interesse em fomentar pesquisas que visem “sustentar as relações e os vínculos familiares, fortalecendo as famílias”. A figura que se esconde por trás desta descrição é o finado patriarca, com sua família heteronormativa.

Não há espaço para investigações sobre violência doméstica, feminicídio e transfeminicídio, direitos sexuais e reprodutivos. Há mais uma tentativa de negar a centralidade das questões de gênero e sexualidade para as ciências. Contudo, mulheres cientistas, docentes, estudantes, ativistas continuam seu trabalho para manter as mulheres amefricanas vivas. Que vivamos o 8 de março saudando as que nos antecederam, as que faleceram vítimas da Covid-19 e do estado genocida, nossas ancestrais, irmãs, mães e companheiras.

Silvana de Souza Nascimento. Professora do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo.

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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