Por Marcelo Siqueira Ridenti
Publicado originalmente em 26/12/2021
“Lembrar é resistir” é o mote inicial para falar da memória sobre o período da ditadura no Brasil. Afinal, é preciso lembrar do que ocorreu sob as botas dos militares associados ao empresariado a fim de resistir ao atual estado de coisas, sob um governo que se orgulha de ser herdeiro do regime militar.
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De fato, é fundamental se lembrar das restrições às liberdades democráticas, do arrocho salarial, da censura e de todos os desmandos para que arbitrariedades semelhantes não voltem a ocorrer. O drama é que isso não basta, e a memória tende a ser seletiva. Aos poucos foi sendo construída a memória mítica da sociedade civil resistente contra a ditadura militar, do povo esmagado que depois de muita luta se levantou em uníssono contra a opressão. Foram sendo esquecidas as omissões, as cumplicidades, os apoios que os governos da ditadura tiveram. A ponto de a democracia parecer estar consolidada. Teríamos virado a “página infeliz de nossa história”, das “tenebrosas transações” daquele tempo.
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Mas, como se fosse um raio em céu azul, eis que chegou um ex-oficial a louvar publicamente o aparelho repressivo da ditadura, e foi eleito Presidente da República. Não por ausência de memória. Entre seus inúmeros defeitos não está a falta de sinceridade, ele se elegeu defendendo os valores do que chama de regime militar, evocando os anos de ouro do milagre econômico. Não adiantaram as denúncias contra a ditadura, repisadas por seus concorrentes na propaganda eleitoral de televisão. Seus eleitores sabiam em maioria que estavam votando num candidato que a apoiou e continua se orgulhando dela, inclusive da violência e da tortura, que muitos gostariam de ver hoje reproduzidas contra seus adversários.
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Como se chegou a tal estado de barbárie? Para responder a essa questão, não basta lembrar para resistir, é preciso conhecer a sociedade brasileira, tarefa das Ciências Sociais. E preparar o tempo em que de fato “vai passar nessa avenida um samba popular”.
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Imagem: O Globo.
Marcelo Siqueira Ridenti. Professor Titular, Departamento de Sociologia. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP.
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.