Por Suely Campos Franco
Publicado originalmente em 04/04/2021
#SemanaSanta | Semana Santa: quando o drama deixa de ser mera representação.
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𝘚𝘢𝘭𝘶𝘶𝘮 𝘮𝘦 𝘧𝘢𝘤 𝘋𝘦𝘶𝘴 𝘲𝘶ó𝘯𝘪𝘢𝘮, 𝘷é𝘯𝘦𝘳𝘶𝘯𝘵 á𝘲𝘶œ 𝘶𝘴𝘲𝘶𝘦 𝘢𝘥 𝘨ú𝘵𝘵𝘶𝘳 𝘮𝘦𝘶𝘮. Este Salmo foi cantado em latim na cerimônia antiquíssima do Ofício de Trevas realizado em São João del Rei na noite da última quarta–feira.
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Normalmente, esta cerimônia, que acontece dentro da Catedral local, envolve grande número de atores sacerdotes, acólitos, membros de irmandades, músicos e espectadores. A cidade orgulha-se de preservar ritos já desaparecidos em quase todo o mundo cristão.
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A Semana Santa é uma tradição religiosa católica que celebra, rememora e atualiza a Paixão, a Morte e a Ressurreição de Jesus Cristo. Estas práticas culturais são signos das vivências múltiplas e intrincadas. A Cristandade em Minas Gerais – herança medieval, transplantada de Portugal, e ressignificada na situação colonial – persiste em São João del-Rei e extrapola, em 2021, o espaço geográfico e temporal.
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O texto em português diz “Salvai-me, ó meu Deus, porque as águas até o pescoço já chegaram” e foi cantado como realidade do Brasil de hoje. Com o agravamento da pandemia de Covid-19 em nosso país, a Semana Santa realiza-se a portas fechadas. Mas resiste. E, através da transmissão de suas cerimônias ao vivo, as mensagens destes ritos se revestem de especial sentido de luto, de trevas e de paixão. Os sinos dobram com toques que exprimem o drama da paixão, que é memória do passado e retrato de um presente de adoecimento e de muitas mortes…Os sofrimentos encenados na festa ganham ainda mais consistência com o presente. O Salmo 54, V. 1 de Santo Agostinho exprime o Brasil e São João del-Rei: “Reza porque está sofrendo muito e desejoso de se libertar de seus males”. O sofrimento deixa de ser mera representação.
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Foto: Marcus Luan (2021)
Suely Campos Franco. Doutora em Études Portugaises, Bresiliennes et de l’Afrique Lusophone (Paris 3/Sorbonne Nouvelle).
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.