Por Yara Frateschi
Publicado originalmente em 15/05/2021
#AbreAspas | Desde a primeira vez que a palavra “genocídio” apareceu na cena pública brasileira para qualificar a gestão da crise pandêmica pelo governo federal, abriu-se uma discussão sobre a pertinência da acusação. Há quem discorde argumentando que a morte em massa no Brasil, no contexto da pandemia, não guardaria as características originais do conceito cunhado por Raphael Lemkin em 1943 – crimes que têm como objetivo a eliminação da existência física de grupos nacionais, étnicos, raciais e/ou religioso – e tampouco se enquadraria na definição de genocídio formalizada posteriormente pelo Estatuto de Roma (1948) e pelo Tribunal Penal Internacional (1998).
A inadequação se deveria fundamentalmente ao fato de que em todos esses casos a morte de um grupo de pessoas é causada com intenção, de maneira deliberada e metódica, tal como no Genocídio Armênio, no Holocausto, no Holodomor. Faltaria a Bolsonaro a intenção e o planejamento. Dentre os que resistem ao uso do termo “genocídio” não há apenas simpatizantes de Bolsonaro, mas pessoas que pensam que o seu uso indiscriminado ou hiperbólico pode vir a esvaziar de sentido os eventos históricos a partir dos quais fora cunhado.
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Há os que entendem que aquele argumento da ausência de intenção deliberada para a morte em massa é falacioso, afinal a ausência de planejamento – de campanhas informativas, compra de vacinas, etc. – é planejamento. Negar a ciência, por exemplo, é dar assentimento explícito a condutas que aumentam o contágio. Se um tribunal internacional vai incluir o atual presidente no rol dos genocidas ainda não sabemos; porém, cresce a passos largos o número de pessoas e instituições (como a OAB) que já não têm dúvida de que a gestão governamental da pandemia é deliberadamente atentatória à saúde pública.
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Seguimos disputando se a acusação é hiperbólica ou precisa, enquanto talvez devêssemos perguntar: como essa gestão criminosa da pandemia se tornou possível e, para parcela não desprezível da população, aceitável?
Yara Frateschi. Professora de Ética e Filosofia Política (Unicamp)
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.