Por Lilia Schwarcz
Publicado originalmente por 18/06/2021
#Repost | Matheus estava em frente ao Shopping Leblon com a sua bicicleta quando foi abordado pelo casal, que, ao que tudo indica, tinha acabado de perder a sua. Até aí nada demais. Mas há tudo demais. O casal era por suposto branco e Matheus negro. Qual o preconceito básico expresso na cena: a ideia de que uma pessoa negra não deveria circular num shopping de elite e, ainda mais, ser dono de uma bicicleta eletrônica. Pressuposto racista: só pode ser um caso de roubo.
Associar cor, com origem, e discriminação racial é uma máxima brasileira desde tempos de outrora quando pessoas negras eram presas “por suspeita de escravo”. O caso de racismo no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, segue repercutindo. Um dos jovens acusados de sugerir que o instrutor de surf Matheus Ribeiro teria roubadoa bicicleta elétrica foi demitido da empresa que trabalhava. Segundo o jornal Extra, uma grande cobrança nas redes sociais fez com que a loja Papel Craft desligasse o funcionário de suas funções. Só que, segundo especulações de internautas, a empresa seria da própria mãe do jovem acusado. Teorias à parte, o que temos de certo é a discriminação.
Apenas nós que fazemos parte de uma sociedade branca nos sentimos confortáveis em frequentar os lugares que queremos e quando queremos. No Brasil o racismo é sobretudo anti-negro, associando cor a origem. Denunciar o racismo implica falar da nossa branquitude e não em termos morais mas pragmáticos. Significa rever pressupostos e regimes de normalidade e naturalização muito internalizados. Rever como a sociedade brasileira é ainda estruturada pelo racismo.
Quando será “normal” ver uma pessoa negra se divertindo num shopping do Leblon e levando sua bicicleta? Não se trata de individualizar ou denunciar um culpado; essa é uma questão bem maior. Mas de entender que pauta é urgente e sem retorno. (Por sinal, chama atenção como nas matérias não aparecem os nomes das pessoas que discriminaram. Eles surgem como “casal de jovens” ou “rapaz branco”. E mais. Hoje soubemos que o ladrão, Igor Pinheiro, que tem 28 anotações criminais, 14 furtos a bicicletas, é branco!!!!)
Texto: Lilia Schwarcz (@liliaschwarcz) (@usp.oficial / @princeton)
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.