Por Federico Neiburg e Rodrigo C. Bulamah
Publicado originalmente em 07/07/2021
#AbreAspas | O Haiti amanheceu envolvido numa nevoa de violência e incerteza com o assassinato do presidente Jovenel Moïse. É crucial chamar a atenção para processos mais profundos que colocam o país mais uma vez diante do abismo, rejeitando as imagens que estimulam a estigmatização do Haiti, baseadas na ignorância e no racismo.
Apesar do apoio popular nas eleições de 2016, revelações trouxeram à tona o envolvimento de Moïse e de outros políticos com desvios de verbas do PetroCaribe, o acordo de compra de petróleo da Venezuela. Em 2018, o aumento do preço dos combustíveis deu origem a uma sensação de estagnação e a pergunta “Onde está o dinheiro do PetroCaribe?” ganhou as ruas e as redes. A carestia dos alimentos impulsionou uma onda de manifestações reclamando da lavi chè (a vida cara) e das tentativas de Moïse de se perpetuar no poder. O presidente governava por decreto e de forma cada vez mais autoritária, mobilizando símbolos da ditadura do clã Duvalier, como já o fazia seu
antecessor e padrinho político, Michel Martelly.
O Brasil não é, e nem pode ser, mero espectador da crise. O nosso governo está povoado de generais que comandaram a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH, 2004-2017) e que utilizam o suposto sucesso da Missão como credencial política. A deriva do país caribenho desmente essa imagem. Os militares e o governo brasileiros são também responsáveis pela destruição da institucionalidade democrática haitiana. O processo desencadeado pelo magnicídio de hoje, que gera ainda mais sofrimento e temor entre haitianos no Haiti e na diáspora (adensado pelo contexto da pandemia), exige mais do que nunca uma atenção à história e a denúncia dos efeitos da ação de generais brasileiros no Haiti.
Federico Neiburg (@FNeiburg) e Rodrigo C. Bulamah (@rodrigobulamah). Museu Nacional, UFRJ / Unifesp
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.