Por Deborah Neves
Publicado originalmente em 04/08/2021
#AbreAspas | Memórias tomam o debate público, disputando o espaço e a responsabilidade coletivas. No sábado de 24/07/2021, quando a luta pelo presente se forjava nas ruas, milhares de pessoas se reuniram contra o governo Bolsonaro e tudo que ele representa.
Mais perto da periferia de São Paulo, em Santo Amaro, o coletivo Revolução Periférica tomou uma das mais importantes avenidas da cidade e em uma ação corajosa ateou fogo a pneus sob os pés de 15m de concreto que reverenciam ao bandeirante Borba Gato – cuja reputação já não deixa dúvidas.
Enquanto debates sobre a ação ocorriam, outras duas homenagens, mais contemporâneas, foram atacadas: o monumento a Carlos Marighella, coberto com tinta vermelha, e o mural com o rosto de Marielle Franco, grafado com o numero 666, um falo e a frase “Borba Gato vive”, tudo em spray preto, em 30/07.
A reação não é equiparável ao enfrentamento ao mito bandeirante. Marighella e Marielle, símbolos da resistência do povo às milícias que assaltam o Estado foram escolhidos como alvos exatamente por isso. O vermelho que tingiu o monumento se tornou até simbólico por remeter ao sangue jorrado de Marighella na Al. Casa Branca quando foi alvejado a queima-roupas por agentes do Dops paulista que forjaram a cena de seu assassinato, esclarecido 27 anos depois. Marielle foi alvo de tiros de milicianos, juntamente com seu motorista Anderson Gomes. Suas mortes seguem sem esclarecimento há mais de 3 anos.
Borba Gato não foi assassinado. Inspirou a criação da Operação Bandeirante, em 1969, para matar pelo Estado. Enquanto um empresário misterioso paga pela recuperação de sua estátua, um coletivo de artistas de rua recuperou a homenagem à Marielle e a Prefeitura, a de Marighella. Os responsáveis não se apresentaram.
Enquanto isso, Borba Gato aprisionou mais um brasileiro: Paulo Galo, líder dos Entregadores Antifascistas, que assumiu a ação contra a imagem e voluntariamente se apresentou à Delegacia. E há quem insista que a História é sobre o passado.
Deborah Neves. Doutora em História (Unicamp, @unicamp.oficial) e Especialista em Patrimônio Cultural
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.