Por Antionka Capiberibe e Oiara Bonilla

Publicado originalmente em 07/09/2021

#AbreAspas | As imagens do Acampamento Luta pela Vida, que reúne 6.000 indígenas em Brasília para defender o direito à terra, causam impacto como um movimento vivo de corpos que lutam por meio da dança e do canto. Esse movimento afirma um modo de viver que pode ser caracterizado como “viver a terra”, oposto à ideia de marco temporal, tese jurídica que está em pauta no STF por conta do julgamento do RE nº 1.017.365/SC da terra Ibirama-Laklãnõ onde vivem povos Xokleng, Kaingang e Guarani. Estando em regime de “repercussão geral” o que for decidido para este caso poderá ser aplicado a outros. Daí seu potencial ofensivo. Em paralelo, o PL-490/2007, que também propõe o marco temporal, está em vias de ser votado no Congresso Nacional.

Pela tese do marco temporal só seria demarcada a terra comprovadamente ocupada por um povo indígena na data da promulgação da Constituição, 05/10/1988, ou aquela que tivesse sofrido “renitente esbulho”. Ou seja, aquela da qual o povo indígena tivesse sido expulso de forma violenta. Segundo a deputada indígena Joênia Wapichana, o marco temporal se tornaria mais uma arma para atender os interesses daqueles que disputam as terras indígenas, ou seja, grileiros de terras públicas, setores da agroindústria, da mineração e da infraestrutura. Setores que avançam também sobre territórios quilombolas, de comunidades tradicionais, assim como sobre áreas de conservação ambiental, autorizando todo tipo de violações, mortes, desmatamento, devastação ambiental e extermínio físico.

Numa movimentação ritual de dimensões políticas, diretamente expressa na fala do advogado indígena Luiz Henrique Eloy Terena no Acampamento “Luta pela Vida”, em 26/08/2021, os povos originários reiteram que esse “viver a terra” é para eles a condição primeira da vida.

Assim, a instituição do marco temporal instauraria uma insegurança jurídica que necessariamente levaria à multiplicação de situações de violência. Por isso os povos indígenas bradam: “nossa história não começa em 1988!”

Artionka Capiberibe (@artionka) (Unicamp, @unicamp.oficial) e Oiara Bonilla (UFF, @uffoficial).

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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