Por Lívia Tiede
Publicado originalmente em 16/08/2021
#AbreAspas | Jacinta Maria de Santana ficou conhecida em todo Brasil como Raimunda depois que o professor de medicina legal, Dr. Amâncio de Carvalho, embalsamou seu corpo e o manteve em exposição por quase 30 anos na sala de aula n. 7 da Faculdade de Direto do Largo São Francisco, em São Paulo em que, uma rua na Vila Mariana é dedicada a homenagear o médico; morto em 1929, também passou a dar título a mesma sala onde lecionava. Nessa ocasião, finalmente o corpo da jovem mulher negra foi sepultado, em um evento em que tomaram parte clubes negros, entidades estudantis e políticos da cidade.
Frederico Baptista de Souza, militante, jornalista e secretário da escola de direito, publicou no jornal da imprensa negra, O Clarim d’Alvorada, um artigo em que louvava o enterro da famigerada “múmia da faculdade”. Recentemente, passadas 9 décadas do enterro de “Jacinta/Raimunda”, estudantes da USP adesivaram seu nome por cima da placa que sinalizava o logradouro Dr. Amâncio de Carvalho, além de realizarem atos similares com as ruas Dr. Arnaldo e Vital Brazil. A inquietação de Frederico por fim, encontra ressonância nas ações dos estudantes antirracistas do século XXI.
Há quase nenhuma seriedade da parte do poder público acerca da importância de se rever as representações imagéticas e arquitetônicas que exaltam figuras históricas questionáveis e condenáveis. Quase nada ouvimos sobre reparação que não seja opinião de especialistas ou de setores populares. Há uma cumplicidade no silêncio com sujeitos como Amâncio de Carvalho, Arnaldo Vieira de Carvalho, ou Borba Gato. Racistas precisam ser calados, mas não esquecidos, sejam os de ontem ou de hoje: não se deve subtrair Amâncio, alguém que tinha muito valor para a sociedade paulistana. Mais do que fazer dele um monstro, é preciso demonstrar que não era uma anomalia, era parte da norma. As mazelas do passado foram ocasionadas por gente normal, cidadãos de bem de sua época, e essa é uma lição que dor impingida a Jacinta pode nos fazer aprender.
Foto: Ronny Santos/Folhapress
Lívia Tiede (@liviatiede). Doutorando em História (Unicamp, @unicampoficial)
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.