Por José Cláudio Souza Alves

Publicado originalmente em 03/12/2021

#AbreAspas | A chacina do Complexo do Salgueiro, do dia 21/11/2021, praticada pelo Bope se constitui como uma chacina invisível frustrada. Contradição em termos, uma chacina jamais poderia ser invisível, dada a magnitude dos mortos e seu efeito sobre uma comunidade, mas é justamente nessa contradição que está o seu sentido: mostrar que se pode matar muitos sem que o crime lhe seja imputado. Ou seja, uma elevação sem precedente do terror ao qual se submete populações.

O que não se contava, em mais essa chacina que seria invisível, era com a resposta da população atingida. Tomando o seu destino nos próprios braços, literalmente, homens e mulheres se enfiaram no manguezal transformado em cemitério clandestino e, mesmo sob o risco de terem seus destinos transformados à semelhança daqueles que desenterravam, ou seja, se transformarem em desaparecidos forçados, resgataram memória, velório e luto dos 11 corpos aos quais esse direito havia sido negado.

O laboratório da violência que existe na Baixada Fluminense e São Gonçalo conheceu, assim, uma resposta inusitada. Ao invés se inserirem na lista das chacinas invisíveis da região, como a do Km 40, em Seropédica, em 2015, com seus mais de 20 mortos; São Jorge, em Japeri, com seus 60 mortos, em 2017 e Jardim Paraíso, Danon, Marapicu, Dom Bosco e Grão-Pará, em Nova Iguaçu, com seus 45 mortos, em 2019 a Chacina do Complexo do Salgueiro entrou para a história como uma inflexão e resposta da população à barbárie à qual é submetida pelo aparato política e forças de segurança do Estado.

No pântano das relações políticas que fazem avanças milícias a partir das operações policiais, a coragem e destemor dos que negaram se submeter às dimensões totalitárias em que vivem nos ensinam que mesmo sob o terror é possível negar aos grupos armados seu domínio absoluto.

José Cláudio Souza Alves. UFRRJ (@universidadefederalrural)

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

Deixe um comentário