Por Leonardo Araújo

Publicado originalmente em 16/11/2021

#ANPOCScomPipoca | Marighella, de Wagner Moura, traz na abertura a cena do assalto a um trem, na qual o militante baiano e alguns outros guerrilheiros da ALN roubam armas a serem usadas na luta contra o regime militar.

Segundo Mário Magalhães na biografia Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo (2012) a ação visava, na verdade, desapropriar os valores relativos ao pagamento de 1800 funcionários da ferrovia que ligava Santos à Jundiaí. Diferente do que foi apresentado no filme, Marighella participou apenas do planejamento da operação, tendo sido seu envolvimento barrado pelos demais companheiros, em razão dos riscos implicados na aventura.

Wagner Moura decide se afastar da correspondência estrita aos fatos históricos, deixando-se conduzir por outra intencionalidade: abraçar a tarefa de mostrar a simbologia ligada a um dos personagens mais importantes de nossa história. Ao ficcionalizar situações que de fato aconteceram, propondo diferentes versões da realidade, ele acaba nos apresentando a algo mais “real” do que o evidenciado nos documentos históricos, isto é, a “cortes” (no sentido baradiano do termo) que nos dão acesso a relações até então veladas.

Desde a escolha de Seu Jorge, homem negro de pele retinta, para interpretar o líder guerrilheiro, até a decisão de sublinhar alguns dos elementos culturais e raciais constitutivos da história de Marighella, o filme nos dá a ver o personagem em sua ontologia múltipla – guerrilheira, militante, macumbeira, negra, baiana –, produzindo fraturas insuperáveis na performatividade revolucionária importada da Europa. Assim, faz dos elementos que especificam a formação histórica de nosso território e de seu povo componentes de outra forma de fazer resistência, indisfarçavelmente brasileira.

Foto: Divulgação.

Leonardo Araújo. Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC, @ufcinforma), com pesquisa em corpo, arte e política. Psicanalista integrante do coletivo Margem.

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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