Por Renata Bichir

Publicado originalmente em 02/11/2021

#AbreAspas | Em tempos de discussão sobre políticas públicas baseadas em evidências, causa surpresa que um programa avaliado nacional e internacionalmente, objeto frequente de estudos acadêmicos, chegue a seu melancólico fim nesse mês de novembro a despeito de seus impactos positivos. Ao longo de 18 anos de existência, o Programa Bolsa Família superou desafios da integração de ações anteriores, avançou na construção de estratégias de pactuação federativa, na articulação intersetorial de políticas sociais por meio de suas condicionalidades, e logrou capilaridade nacional em um país continental e desigual, em especial devido à sua operação por meio do Cadastro Único e da rede de equipamentos públicos da assistência social.

Certamente havia espaço para avanços: linhas de elegibilidade desatualizadas, valores médios transferidos baixos, filas de espera a perder de vista, ampliadas com a deterioração crescente das condições de vida, não totalmente aliviadas pelo brevíssimo “Auxílio Emergencial”. O “substituto” da vez, o “Auxílio Brasil”, instituído por meio da Medida Provisória nº 1.061, de 9 de agosto de 2021, não visa endereçar diretamente essas questões. Mesmo com a menção a linhas de continuidade com o Bolsa Família – manutenção de alguns benefícios monetários atuais, previsão de articulação intersetorial e incentivos à gestão federativa do programa –, há grandes incertezas derivadas de um programa ainda não regulamentado e sem garantia de recursos contínuos para seu funcionamento. Em termos de desenho, o Auxílio Brasil segue a temerária linha “bala de prata” na política social: vai da transferência de renda ao empreendorismo, passando por incentivos à iniciação científica e a programas de primeira infância, com ênfase à perspectiva de geração de “portas de saída”. A retomada de visões morais ancoradas na perspectiva de “welfare dependency” vai na contramão da necessidade de reconstrução e reforço de nosso esgarçado tecido social no período pós-pandêmico.

Renata Bichir. EACH/USP (@usp.oficial)

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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