Por Christina Vital
Publicado originalmente em 10/12/2021
#AbreAspas | Há alguns meses no Brasil a expressão “terrivelmente evangélico” tomou as mídias tradicionais e as redes sociais, produziu debates políticos e acadêmicos, revelou a organização de grupos diversos, dissensos e conexões. A aprovação de André Mendonça como o Ministro do Superior Tribunal Federal em 01/12/2021 no Senado, foi recebida com entusiasmo por seus apoiadores.
No gabinete do senador evangélico Luiz do Carmo (MDB-GO) onde se encontravam parlamentares e líderes evangélicos junto com o próprio Mendonça e família, o resultado foi comemorado com abraços, cabeças baixas em adoração e agradecimento ao Senhor. A comemoração que mais chamou atenção foi a da primeira dama, Michelle Bolsonaro. Ela performou uma manifestação do Espírito Santo com “sapatinho de fogo” e ao “falar em línguas”. Mexer o corpo, pular de euforia e falar em línguas desconhecidas são basilares da espiritualidade pentecostal. Está em Atos “E todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espirito Santo lhes concedida que falassem”.
As reações críticas à primeira dama eram de várias ordens: preconceituosas em relação à religião, críticas a uma espécie de afronta à laicidade do Estado, entre outros argumentos. Evangélicos das mais variadas denominações se levantaram denunciando intolerância religiosa contra Michelle e em relação ao segmento religioso como um todo. O episódio revelou uma tentativa de retorsão do argumento, para usar os termos do sociólogo Antônio Flávio Pierucci (1990).
Essa pode ser tida como uma operação através da qual um grupo político toma o argumento de seu rival atualizando seus usos e sentidos. Embora nenhuma forma de intolerância e preconceito deva ser aceita, vemos uma utilização política do acontecimento. As tentativas de emplacar que no Brasil vivemos recentemente uma cristofobia tem ao menos dez anos e veremos como essa “bandeira de luta” vai formar capital político para as eleições de 2022.
Christina Vital. UFF (@uffoficial)
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.