Por Tilmann Heil

Publicado originalmente em 02/02/2022

#AbreAspas | Em 2014, quando Moïse Mugenyi Kabagambe vinha do Congo ao Brasil, como refugiado, celebrava-se o primeiro visto humanitário para Haitianos e se discutia uma nova lei de imigração progressista (depois restringido na implementação pelos governos posteriores). O Brasil ressurgiu, então, como destino migratório, também para africanxs. Muitxs destacaram a esperança com uma economia emergente e a maior população negra fora da África, visto como garantia para um futuro prometedor pós-colonial. Porém, a realidade encontrada uma vez no Brasil frequentemente era outra.

Cerca de 8 anos após a sua chegada no Brasil, na noite do 24 de janeiro de 2022, Moïse Mugenyi Kabagambe foi espancado até a morte, agredido, torturado pelo gerente e quatro homens no quiosque onde trabalhava porque cobrou, por direito, o seu salário. Logo após, assistimos a demonstração de amigos e familiares pedindo justiça em frente ao quiosque, que não teve o seu funcionamento afetado; formos informados da investigação da polícia civil; sentimos a enorme tristeza, desolação, e raiva na despedida do filho, irmão, primo e amigo, marcado por cantos e manifestações de sofrimento e indignação frente ao crime e à perda irreparável. Escancarou-se a luta extrema de um ser humano no Brasil para poder realizar uma vida humana, digna e feliz em meio a contextos sistematicamente abusivos, desiguais, classistas, racistas e xenófobos.

As manifestações solidárias cada vez mais numerosas que denunciam as estruturas racistas e xenófobas são importantíssimas no Brasil, país que ainda se constrói como parte do ocidente e assim reproduz a desumanização dos povos africanos inventada pelos europeus e reproduzido por seus descendentes. Além de destacar os direitos negados do bom trabalhador, do refugiado, e do residente desse país que o acolheu – apenas direitos diferenciais e parciais – lutar pelo pleno reconhecimento da humanidade manifestada nos sonhos e lutas de jovens negrxs, africanxs ou refugiadxs é imperativo para derrubar essa necropolítica racista, xenófoba e classista.

Tilmann Heil (@tilmannheil). Mecila, Cebrap, USP (@usp.oficial) e Universidade de Colônia (Alemanha).

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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