Por Ana Paula Alves Ribeiro
Publicado originalmente em 07/02/2022
#ANPOCSMúsica | Estranho falar da partida de Elza Soares, quando ela nos trouxe e entregou tanta vida e segue presente. Nascida em 1930, passou a infância e juventude no mesmo Rio de Janeiro onde, em 20 de janeiro de 2022, faleceu aos 91 anos. Jovem e com filhos pequenos, buscou em um concurso de calouros a possibilidade de contornar a pobreza e a fome, com talento e desejo de cantar.
Se Elza veio do “Planeta Fome”, sua trajetória aponta múltiplas formas de renascimento ao longo da vida, driblando adversidades, sobrevivendo a tragédias. Sua história se aproxima a das nossas antepassadas, sua maneira de estar no mundo foi única e retratada em muitas obras de arte.
Esteve continuamente em interlocução e parceria com músicos de diversas gerações e formações. Conhecida como cantora de samba, imprimiu também sua marca na música para além da voz, cujo timbre profundamente jazzístico, conduziu-a por pelo rock, jazz, e hip-hop, marcando o lugar de onde veio (o morro) e sua origem (negra) tanto na escolha de seu repertório, como nas famosas interpretações e na maneira como transitava nos estilos.
Seus álbuns mostram uma cantora que traça sua trajetória na segunda metade do Século 20 e chega ao Século 21 abordando discursos raciais. Sua voz e corpo assumiram papel de reinvenção e reconstrução do fazer artístico, emergindo em várias camadas, onde a sua identidade negra estava presente. Demonstrava uma extraordinária capacidade de inventar amanhãs, aproximar mundos e desestabilizar barreiras.
Em sua vida, muitos fatores chamam atenção: a manifestação do corpo predominantemente político e atemporal, sem muitos espaços para ambiguidades, posicionamentos precisos e voz marcadamente autoral. Nos últimos anos foi colocada um lugar de senioridade, onde a ancestralidade e experiência eram guias, e como os debates sobre mulheres negras e feminismos negros se aproximaram cada vez mais desse lugar. O que Elza nos deixa ainda está para ser compreendido, sentido e experienciado pelas próximas gerações.
Ana Paula Alves Ribeiro. UERJ (@uerj.oficial)
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS