Por Aparecida Vilaça

Publicado originalmente em 20/06/2022

#AbreAspas | Bruno Pereira e Dom Phillips partiram em um barco para uma curta viagem por um trecho de rio que lhes era bem conhecido. Como tantas vezes fiz em minha vida de antropóloga, devem ter arrumado suas pequenas mochilas, talvez reservado algo para comer no caminho e dito um até logo para os seus amigos indígenas, certos de um reencontro breve. Em algum ponto do trajeto, foram assassinados a sangue frio. Bruno, indigenista de 41 anos, tinha 3 filhos, dois deles pequeninhos, fruto de sua união com nossa colega, a antropóloga Bia Matos. Dom, 57, jornalista inglês que havia escolhido o Brasil para viver, tinha planos de adotar um filho com sua esposa baiana.

Não os conheci pessoalmente, embora tenha ouvido falar de Bruno quando era chefe da Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai, de onde foi exonerado por denunciar invasões e atividades ilegais no Vale do Javari, área de maior concentração de grupos indígenas em isolamento voluntário do Brasil. Foi substituído por um pastor evangélico aliado da ministra Damares, sem qualquer experiência com povos indígenas. Mais um movimento da bancada evangélica para dar suporte à entrada de missionários em terras indígenas com o propósito de dinamitar sua cultura e torná-los submissos aos desejos de políticos, que por sua vez atendem aos interesses de ruralistas e empresas mineradoras e madeireiras. Bruno não se calou e, em licença sem vencimentos da Funai, foi trabalhar como voluntário da Univaja, União dos Povos Indígenas do Vale do Javari. Foram esses indígenas que, reconhecendo a amizade que haviam construído e a importância do trabalho de Bruno e dos artigos de denúncia de Dom voltados ao público estrangeiro, dedicaram-se às buscas frente à leniência e descaso dos órgãos públicos e das ironias e desprezo do presidente de nosso país.

Aparecida Vilaça. PPGAS-Museu Nacional/UFRJ (@ufrj.oficial)

A ANPOCS convida especialistas para se pronunciarem em seu nome sobre o bárbaro assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips.

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