Por Lucas Pedretti
Publicado originalmente em 15/07/2022
#AbreAspas | Em dois de julho, um dos maiores torturadores da última ditadura argentina morreu. Miguel Etchecolatz tinha 93 anos e nove condenações à prisão perpétua. Quatro dias depois, a justiça do país condenou mais de vinte militares por crimes contra a humanidade – dez deles sentenciados também à prisão perpétua.
O direito à justiça é um elemento central do arcabouço da chamada “justiça de transição”. Mas o direito internacional dos direitos humanos preconiza que, ao lado dele, os países devem promover políticas de memória, verdade e reparação. Sobre isso, outros dois exemplos regionais, também ocorridos nas últimas semanas, chamam atenção.
Em fins de junho, a Colômbia assistiu à entrega do relatório final da sua Comissão da Verdade. Implementado em 2017, o órgão conduziu uma ampla investigação, atestando que o conflito armado deixou mais de 450.000 mortos e 120.000 desaparecidos. Poucos dias depois, a Assembleia Constituinte do Chile entregou o texto final da nova carta magna, para ser submetido a referendo. A proposta traz a garantia dos direitos à memória, à verdade, à justiça e à reparação integral. Caso aprovada, a nova Constituição chilena será a primeira do mundo a constitucionalizar esses direitos.
Nota-se, portanto, que os países da região têm avançado no reconhecimento e no tratamento de seus passados de violência. Isso torna mais explícitos os limites da experiência brasileira – afinal, os limitados avanços conquistados pós-1988 foram profundamente atacados por Bolsonaro.
Hoje, diante da possibilidade de um novo ciclo político no Brasil, cabe colocar a pergunta sobre qual será o papel que a agenda de memória, verdade, justiça e reparação terá na reconstrução de nossa democracia. Seguiremos o exemplo de nossos vizinhos? Ou insistiremos em apostar no esquecimento sobre o passado, deixando o caminho aberto para novos retornos do autoritarismo?
Lucas Pedretti. IESP/UERJ (@iesp.uerj)
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.