Por Justino Sarmento Rezende – Tuyuka
Publicado originalmente em 12/08/2022
#OcupaANPOCS | Os meus parentes da família linguística tukano oriental ensinam que as cores de penas e plumas dos pássaros, as peles coloridas das cobras, as cores variadas da argila tabatinga, os desenhos nas escamas e peles de peixes estão em conexão contínua com as cores e traçados de desenhos das malocas e estampam-se nas pinturas corporais femininas e masculinas.
Os cocares dos mestres de cantos e danças conectam-se com as gentes do patamar das alturas. As penas amarelas de pássaro japu conectam-se com o brilho do sol, as penas vermelhas das araras conectam-se com a intensidade do calor do sol e as plumas brancas de gavião real expressam a leveza dos pássaros. Os traçados vermelhos das pinturas faciais conectam-se com a tabatinga subterrânea, com a cor das penas das araras e da pele das cobras. Os formatos das pinturas assemelham-se à espinha dorsal dos peixes e das cobras, das patas de gafanhotos e das aranhas.
Os odores de urucum e de jenipapo, os sabores da bebida caxiri e da ayahuasca, o cheiro do tabaco e do breu e o sabor adocicado do ipadu conectam com o corpo do homem e da mulher. Estes conectam-se aos odores e sabores amargos, travosos, pitiús e salgados das cascas e folhas das árvores, dos peixes, das cobras e dos pássaros. Se materializam no interior de outras gentes de outros patamares, do sol, da lua, das nuvens, das estrelas, dos trovões e dos raios. Transitando de um patamar a outro, assumindo e usando a roupagem de outras gentes, e permitindo que outras gentes de outros patamares assumam a nossa corporeidade, os kumuã nos protegem, nos defendem e nos fazem viver com outras corporeidades, como peixes, cobras, pássaros, cheiros, odores e cores. Assim, nosso corpo se transforma em ares, ventos, cores, cheiros e sabores, se conectam e desconectam continuamente.
Texto e imagem: Justino Sarmento Rezende – Tuyuka (@justinosdbyahoo.com.br_). Doutor em Antropologia pelo PPGAS/UFAM e Pesquisador do NEAI
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.