Por Isabel Cristina de Moura Carvalho

Publicado originalmente em 04/07/2022

#AbreAspas | Com Bourdieu aprendemos a pensar o mundo científico como um campo de relações sociais que, como outros campos, se estrutura a partir formas de coerção e estratificação na acumulação do capital simbólico, o prestígio intelectual. Cada estudante e professor ao disputar sua entrada e/ou permanência na academia está, de forma não completamente consciente, entrando no jogo. Deve crer na “illusio” que projeta a universidade como instituição privilegiada de produção de um conhecimento científico válido e desinteressado, deve identificar-se com o “habitus” intelectual, aprendendo suas etiquetas, modos de falar, vestir, comer, divertir-se e, assim, distinguir-se.

Jogar este jogo implica sempre em algum grau de tensão e um grande investimento psíquico. Não seria este um problema em si, quando os sujeitos que ingressam no campo encontram as condições para concorrer ao status prometido, dentro das regras, explicitas e implícitas, da comunidade científica.

O problema é o mal-estar acadêmico, isto é, desequilíbrio entre os crescentes sacrifícios a fazer e a diminuição das oportunidades de ingresso e crescimento dentro do campo. Um conjunto de estudos têm indicado graus de sofrimento acima do tolerável: aumento de transtornos de ansiedade, estresse patológico (Burnout), depressão e suicídios. O campo científico está produzindo, ao invés de pesquisadores engajados, estudantes deprimidos e professores estressados.

O sentimento de falência individual aparece como contraface da idealização do campo. Enfrentar o mal-estar acadêmico passa por tornar visíveis as condições reais em que as regras do jogo se dão. Um exemplo: o valor das bolsas não é reajustado desde 2013, mas as exigências de exclusividade e excelência na pesquisa crescem continuamente, produzindo uma zona de mal estar que, traduzida em menos valia individual, adoece pesquisadores, expulsa novos talentos, e desestimula quem está no jogo, pondo em risco a própria reprodução da ciência.

Isabel Cristina de Moura Carvalho (@isabelcarvalho.psicologa). UFMG (@ufmg)

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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