Por Antionka Capiberibe
Publicado originalmente em 25/06/2022
#AbreAspas | A imagem de Bruno Pereira sentado no meio da floresta entoando um canto Kanamari junto com seus companheiros indígenas de expedição personifica o significado de ser indigenista, dá sentido à aliança entre indígenas e não indígenas. Na cena, a floresta não é um monstro e tampouco há barreiras no grupo que a compõe. Há nessa cena uma vivência que os povos indígenas tentam nos transmitir, a de que estamos todos conectados, humanos e não humanos, indígenas e não indígenas.
A certeza dessa conexão, pôs em campo indígenas e indigenistas, apoiados por policiais militares da região, que, numa busca incansável por Bruno e pelo jornalista Dom Philips, vasculharam, por 11 dias, a floresta, a beira e os furos do rio Itacoaí na angustiante esperança de encontra-los com vida, afinal a Amazônia reserva surpresas. Mas, o desfecho da história revelou um assassinato brutal por motivo torpe, o trabalho de Pereira na defensa do território e da vida dos povos indígenas. É simbólico que Philips, jornalista britânico que vinha se dedicando à defesa da floresta Amazônica, tenha sido vitimado junto. O assassinato de ambos se junta ao do indigenista Maxciel Pereira dos Santos, morto na mesma região, em 2019. Todos eles têm a assinatura de um governo genocida que declarou guerra contra os povos indígenas e a Amazônia.
No funeral de Bruno, outro canto ecoou, reavivando sua conexão com os povos indígenas. Vieram honrar, a ele e a Dom, os Xucuru da serra do Ororubá, um povo que sobreviveu ao aldeamento da política pombalina do século XVIII, à expulsão de suas terras no século XIX, aos conflitos com fazendeiros e posseiros no século XX. As palavras do cacique Marcos selam a aliança: “[…] nos nossos rituais […] foi pedido para que as forças encantadas os recebessem no reino sagrado, porque hoje Bruno e Dom se tornam um encantado de luz em cada um de nós”.
Justiça para Bruno, Dom e Maxciel!
Artionka Capiberibe. Professora do Departamento de Antropologia da IFCH/Unicamp (@unicamp.oficial)
A ANPOCS convida especialistas para se pronunciarem em seu nome sobre o bárbaro assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips.