Por Gilton Mendes dos Santos

Publicado originalmente em 23/08/2022

#OcupaANPOCS | Aprendemos que coleta é a prática de colher algo que não foi plantado pelo homem, aquilo que é oferecido gratuitamente pela natureza: frutos, sementes, folhas, palmitos, resinas, tubérculos, raízes etc.

Aprendemos também que os povos caçadores-coletores foram nossos primeiros ancestrais, que viviam em cavernas e vagavam em bandos nômades pelas savanas e florestas em busca de alimento. E aprendemos ainda que esse modo de vida foi um estágio inicial que nos levou à domesticação de plantas e à consequente conquista da agricultura que, por sua vez, fez concentrar, crescer e complexificar as sociedades, que passaram a produzir excedentes de alimentos e a se organizarem na forma de Estado.

Forçada a se encaixar na história de qualquer parte do mundo, quando transportada para a Amazônia essa narrativa não parece refletir a trajetória dos povos que por aqui habitam há milhares de anos. A agricultura, tal como a entendemos, não parece ter florescido nos solos amazônicos, que assistiram e participaram de outros processos de ação e interação positivas das populações humanas ao longo do tempo. A rica biodiversidade da Amazônia é resultado de sofisticados processos de manejo e transformações vegetais, de relações de companheirismo, entre humanos e não humanos, e de sensíveis e elaborados construtos filosóficos em que participam as espécies naturais.

Assim, as noções de agricultura e de coleta não dão conta de exprimir a histórica e complexa relação dos povos indígenas com seus ambientes na Amazônia, infinitamente longe de ser uma fronteira agrícola, selvagem e virgem à espera da monocultura e do agronegócio.

Gilton Mendes dos Santos. Professor do Departamento de Antropologia da UFAM e coordenador do NEAI

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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