Por Jaime Diakara
Publicado originalmente em 22/08/2022
#OcupaANPOCS | Meu esforço é buscar uma perspectiva (antropológica) indígena para falar, a partir da tríade caxiri, cuias e camuti, da trama cosmológica de relações e sentidos que ela envolve.
Primeiramente, evoco a origem da argila a partir de Dihí Ñekõ (Ancestral Argila), simbolo da conexão do corpo (humano/não humano) feminino. Durante a fabricação do camuti, o grande vaso de cerâmica onde se produz a bebida, a mulher molda seu corpo e sua vida pelo Niĩsãrĩ pahti, a forma útero, que recebe o nome Ahsibusu Pehkametiri pahti (Barriga do Camuti), protegendo-o com as cuias de Uhpẽko wahtori, os seios de vida-fermentação.
Nesse movimento ritmico de produção da bebiba fermentada à base de mandioca, a mulher injeta, por meio de sua saliva, a força e os efeitos de poder do caxiri, deixando ali seus ingredientes em fermentação expressos nas bolhas que flutuam no líquido. A bebida fermentada pela potência da saliva das mulheres é servida aos participantes na Wahtoro, a cuia de origem da vida, que nas mãos do baya (mestre de cerimônias) transforma-se em fermentação da vida, contendo o esperma feminino, que é levado à boca dos homens pela cuia Diapeowahro. Ali está o efeito, a intenção e o desejo da mulher na fertilização e gravidez dos homens, que ficam com suas barrigas grandes, fartas e reluzentes.
Se esses efeitos não são antes neutralizados pelos homens, através do bahsese com tabaco e breu, ou posteriormente, com execução instrumental e cantos, sua gravidez se manifesta dolorida com enjôos, tonturas, cansaço e vômito, a vingança da mulher pelo sofrimento durante a gravidez.
Texto e imagem: Jaime Diakara – Indígena do povo Dessana do Grupo Wari Diputiro Porã, doutorando em Antropologia pelo PPGAS da UFAM, presidente do Colegiado Indígena do PPGAS e pesquisador do NEAI.
Confira também o vídeo de Jaime disponível no reels da @anpocs.
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.