Por Viviane Fernandes
Publicado originalmente em 18/08/2022
#AbreAspas | Era comum nas renegociações de dívidas entre instituições financeiras e seus clientes, as quais pude acompanhar ao longo de minha pesquisa, que surgisse a discussão sobre a justiça dos juros cobrados. “Eu quero pagar pelo que é justo.”, a sentença expressava a vontade de quitar o débito, mas impunha sua condição: deveria haver um equilíbrio entre o valor a ser reembolsado e o que fora emprestado. Reiteradamente, o impasse provocado pela discussão do que seria justo paralisava as negociações
A concessão de crédito consignado para beneficiários de programas de transferência de renda (como o Auxílio Brasil e o Benefício de Prestação Continuada) reatualiza as discussões acerca da justiça dos juros. Os recursos destinados a auxiliar famílias na manutenção de serviços básicos (alimentação, moradia, transporte, saúde), passam agora a ser alvo de instituições financeiras, interessadas em oferecer crédito àqueles que estão em situação de grande vulnerabilidade, podendo cobrar o que estipulam ser justo pelos riscos destes empréstimos.
Sem regulamentação das condições da oferta do crédito, recai sobre os tomadores do consignado a avaliação das condições de contratação. Simulações dos empréstimos demonstram que a taxa de juros aplicada aos consignados associados a programas sociais pode atingir valores três vezes mais altos dos que a taxa cobrada dos beneficiários do INSS. Já sancionada a lei, espera-se minimizar os riscos pressionando o governo a definir regras e limitação aos juros.
Frente ao atual número de famílias inadimplentes, é possível que os recursos captados pelos beneficiários sejam usados para a quitação de dívidas mais antigas, principalmente as de cartões de crédito. Ou seja, o dinheiro volta ao sistema financeiro.
Como resultado: mais famílias superendividadas, empobrecidas e sem capacidade de negociação.
Viviane Fernandes. Pesquisadora do NuCEC – Museu Nacional -UFRJ
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS .