Por Rosa Carneiro
Publicado originalmente em 12/08/2022
#AbreAspas | Quanto vale no Brasil o corpo feminino? Quanto vale um corpo de mulher que está dando à luz? O caso de São João do Meriti-RJ divulgado em 11/07/22 nos chocou, quando mais uma vez a violência não parece ter limite e quando os que deveriam cuidar, por dever ético e profissional, são os que nos estupram. Como pode um corpo inconsciente ser abusado? Como pode um corpo aberto numa mesa de cirurgia ser invadido?
No Brasil atual, não há garantia de contracepção como política pública; os poucos serviços de abortamento legal foram fechados e/ou têm sido negados (AzMina, 2020). Nossos corpos devem reproduzir como um mandato, sem nenhum cuidado, reconhecimento e mínima segurança social. São considerados corpos, objetos e abjetos. Mesmo quando ou principalmente quando estão a cumprir o mandato social.
Foram as violências contra essa mulher: anestesia em demasia; provavelmente até mesmo a cesárea, já que somos recordistas mundiais; a ausência do acompanhante garantido por lei; o estupro; a omissão do hospital diante da garantia de todos os direitos da mulher que ali dava luz. Nada disso está dissociado. Essa mulher teve o seu corpo invadido duas vezes e ao mesmo tempo: lhe invadiam pela boca e pelo abdômen simultaneamente. Na realidade, as mãos e os pênis masculinos são historicamente bastante conhecidos por perscrutarem de modo vil os corpos femininos. Os manuais de anatomia e a obstetrícia moderna bem sabem.
Hoje estamos diante de um desmonte ainda maior de nossos poucos direitos sexuais e reprodutivos. Mas isso está atrelado a uma lógica sacrificial perversa, que mata ou deixa reproduzir somente alguns corpos de mulheres e, assim, sustenta um pacto social desigual. É preciso estarmos atentas a esse processo de extinção de nossos corpos e resistir por meio de políticas públicas, movimentos de mulheres e agendas de trabalho que resguardem uma reprodução e uma sexualidade seguras, voluntárias e socialmente reconhecidas.
Rosa Giatti Carneiro. UNB (@unb_oficial)
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS