Por Lorena França
Publicado originalmente em 15/08/2022
#OcupaANPOCS | O conjunto dos conhecimentos dos grupos indígenas do Alto Rio Negro constitui um sistema agrícola e alimentar que apresenta uma imbricação de saberes técnicos e cosmológicos.
O cultivo da roça – incluindo os bahsese, a relação das mulheres com as manivas, a rica biodiversidade cultivada -, e os preparos culinários (quinhanpira, beijus, tucupi, farinha, caxiri, etc), bem como as cestarias usadas nas casas de forno, compõem uma paisagem cultural comum.
De todos os cultivares, a mandioca brava é o expoente desse sistema agrícola. No processo culinário, as mulheres rionegrinas extraem da raiz três elementos fundamentais: a goma (fécula), a massa (fibra) e o tucupi (sumo), com os quais fazem distintas combinações. A massa se desdobra em duas importantes variações: a fresca, obtida da mandioca ralada no dia da colheita, e a massa fermentada, chamada de ‘puba’, quando a raiz fica de molho por vários dias.
Os beijus são discos assados, de aproximadamente 70 a 80 cm de diâmetro, com um sabor neutro que serve de acompanhante do pescado ou da carne. No Alto Rio Negro, eles têm sabores e qualidades específicos. Aqui destacamos dois deles. Entre os grupos tukano na bacia do rio Uaupés, o beiju mais consumido é o curadá ou beiju mole, chamado su’ukaró em língua tukano, feito da mistura de massa e de goma. Já entre os grupos da bacia do Içana e da calha do Rio Negro, o mais consumido é o beiju fino e seco, feito só da mistura de massa fresca e puba. Este chama-se meyu em nheengatu ou pethe em baniwa.
O primeiro precisa ser consumido em dois dias, exatamente por ser mais elástico, enquanto o segundo dura várias semanas guardado numa lata bem fechada. Outra diferença é que o curadá é sempre partido em quatro pedaços, ao passo que o beiju de massa é assado inteiro.
Lorena França. Pesquisadora do NEAI e Doutoranda em Antropologia Social – UFSC (@ufsc)
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS