Por Pedro Augusto P. Francisco

Publicado originalmente em 01/12/2022

#AbreAspas | A recente prisão de Zé Cabral, filho do ex-governador do RJ, Sérgio Cabral, nos ajuda a refletir sobre dinâmicas históricas da indústria do tabaco. Zé Cabral teve seu mandado de prisão expedido no curso da Operação Smoke Free (PF/MPF) e, de acordo com a polícia, a quadrilha comprava cigarros com nota fiscal adulterada e distribuía a mercadoria no comércio.

Essas notícias dão a impressão de que um mercado paralelo de proporções globais funciona à margem da indústria regular do produto. Contudo, essa indústria se consolidou no século XX através de estratégias que ofuscam fronteiras entre legal e ilegal.

Nas décadas de 1980-90, diante da invasão de produtos dos EUA, pequenas fábricas brasileiras perderam espaço e foram incorporadas por grandes empresas estrangeiras ou optaram pela evasão fiscal. Nos anos 1990, as empresas multinacionais usaram a isenção de impostos de exportação entre países do Mercosul para exportar cigarros ao Paraguai e trazê-los de volta ao Brasil de modo irregular. Em 1999, as isenções foram extintas, transformando o circuito de reingresso dos cigarros brasileiro via Paraguai insustentável. Porém, toda a estrutura que havia sido montada para essa operação deu origem à indústria de cigarros paraguaia, que aproveitou os canais de distribuição para contrabandear seus cigarros para o Brasil.

Esse cenário não é exclusividade brasileira. Casos semelhantes aconteceram nos EUA e na Europa nos anos 1990. Não se trata de uma anomalia e, portanto, um problema exclusivo de segurança pública. Operações policiais podem até atingir indivíduos nos altos escalões, mas normalmente afetam apenas grupos vulneráveis e não resolvem o problema. Dada a relação intrínseca da indústria de tabaco com práticas de contrabando e evasão fiscal, é preciso que o problema seja discutido sob as perspectivas de políticas públicas fiscais e de relações internacionais.

Pedro Augusto P. Francisco. Doutor em Antropologia Cultural (IFCS/UFRJ)

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

Deixe um comentário