Por Miguel Aparicio

Publicado originalmente em 20/06/2023

#MarcoTemporalNão | A movimentação a favor do marco temporal instaura um retrocesso na democracia brasileira. Desconhece um dos fundamentos da Constituição, que define o direito dos povos indígenas sobre suas terras como anterior à formação do Estado e fabrica um marco legal para o genocídio. A aprovação do PL490 viabiliza a violência contra os povos originários e legaliza a grilagem de terras públicas, a supressão das florestas e a eliminação do direito indígena.

A iniciativa adquire caráter inconstitucional no artigo 28 que, ao normatizar a política para povos em isolamento, permite a realização do contato “para intermediar ação estatal de utilidade pública”. O Brasil, que desde 1987 inovou ao superar o modelo de atração e pacificação em favor do paradigma de proteção e não-contato, está prestes a retomar a política da ditadura militar, que promoveu operações letais de contato. Ressurge a ideologia da integração nacional.

O isolamento é consequência da letalidade da colonização e expressão da rejeição de alguns grupos indígenas à convivência com a sociedade nacional. Trata-se de uma declaração de recusa que deve ser respeitada pelo Estado, cujo dever único é efetivar a proteção. Se há um marco temporal, deve ser atribuído às frentes de colonização que invadem as terras indígenas. Diante do direito ao isolamento e do direito dos indígenas às suas terras, não há negociação possível. Não há equiparação entre indígenas e colonizadores, pois “a maior parte de quem tenta retirar os territórios dos povos indígenas não tem boa fé, mas um histórico recheado de muita má fé, delineado com muita violência” (Kari Guajajara). Reinstaurar a política do contato significa reeditar condições objetivas para o genocídio dos povos isolados.

Miguel Aparicio. Observatório dos Povos Indígenas Isolados (Opi)

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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