Por Raphael Guazzelli

Publicado originalmente em 09/08/2023

#AbreAspas | Foi no presídio de Segurança Máxima Antônio Amaro Alves (Rio Branco), em finais de julho, que teve lugar o último episódio da desconcertante gestão da segurança pública brasileira, em especial naquilo que diz respeito ao sistema prisional.

Na última década é possível contar em torno de uma dezena de episódios semelhantes. Os casos mais emblemáticos se deram em 2017, a rebelião em Manaus no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, com 60 mortos. Já em Nísia Floresta (RN) a rebelião deixou 26 mortos, 15 decapitados. As rebeliões prisionais extremamente violentas tem sido uma constante No Brasil desde, ao menos, o início da Nova República.

Em seu curso de 1972-73, Foucault nos mostrou como, na aurora da modernidade, as leis e as instituições penais criavam, na figura do criminoso, o “inimigo social”. A política é a continuação da guerra por outros meios, nos diz ainda, invertendo a famosa sentença de Clausewitz. A sociedade combate o criminoso, assim como na guerra, combatemos o inimigo externo. As leis e instituições penais, desde então, não pararam de produzir os inimigos.

Ocorre que, em nosso caso, o inimigo já havia sido produzido. O filósofo e historiador camaronês Achile Mbembe cunhou o neologismo “necropolítica” para designar a forma da soberania nas sociedades contemporâneas. Para ele, o contemporâneo produz “mundos da morte” em que parcelas da população são submetidas ao estatuto de “mortos-vivos”.

Ora, qual o modelo histórico utilizado por Mbembe para analisar este “necropoder”? Nada menos que o sistema de plantation, onde centenas de milhares de negros escravizados tiveram sua vida ceifada. Os dados mostram que a quase totalidade dos encarcerados no Brasil são negros ou pardos. Nosso “inimigo social” foi produzido por três séculos de escravidão.

Raphael Guazzelli. UFPE

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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