Por Bruno Viveiros Martins

Publicado originalmente em 16/11/2023

#AbreAspas | Desde a institucionalização do regime republicano no Brasil, em 15 de novembro de 1889, vários compositores e compositoras pensaram, debateram e questionaram, por meio da narrativa musical quais as características, condições e, principalmente, as dificuldades enfrentadas pelos brasileiros para construir uma República capaz de incorporar a participação popular como um de seus princípios fundamentais. A partir de então, nosso cancioneiro, utilizou a linguagem da canção popular em diálogo com o conhecimento prático do cotidiano para analisar os diferentes aspectos do conceito de República e os contornos por ele adquiridos no país. Uma das primeiras canções a discutir a questão no Brasil foi ouvida, em 1892, durante a apresentação de O tribofe, teatro de revista assinado por Arthur Azevedo (1855-1908). Além de jornalista, poeta e contista, ele escrevia também operetas e comédias musicais, no Rio de Janeiro, desde a segunda metade do século XIX. No espetáculo, a governo republicano é ironizado em um rondó no qual são recitados os versos:

(…)
Na política há muito tribofe
Muito herói que não sente o que diz
E o que quer é fazer regabofe
Muito embora padeça o país
Quem República ao povo promete
E, mostrando-se pouco sagaz
No poder velhos áulicos mete
Faz tribofe, outra coisa não faz
(…)

O tribofe é uma das muitas narrativas publicadas por Arthur Azevedo que repassa os principais fatos e eventos da política sempre de forma bem-humorada. A população que vivenciava os anos iniciais do novo regime já se ressentia das promessas não cumpridas pelo governo. Os versos de Arthur Azevedo suspeitam dos interesses do grupo político instalado no poder, por meio do golpe republicano de 1889, principalmente, em contraposição à situação de crise política que vivia o país. Seria a República do 15 de novembro uma trapaça, um jogo de cartas marcadas? Um verdadeiro tribofe? Nesse descompasso, o povo nas ruas preferia rir para chorar.

Bruno Viveiros Martins. Doutor em História pela UFMG. Pesquisador do Projeto República: núcleo de pesquisa, documentação e memória (@projetorepublicaufmg)

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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