Por Lorena Fleury
Publicado originalmente em 11/09/2023
#AbreAspas | Os Relatórios de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) são inequívocos sobre os efeitos da ação humana no clima, mas os alertas da comunidade científica não encontram proporcional reverberação na agenda pública.
As mudanças climáticas, contudo, cada vez mais têm sido experimentadas de forma muito direta e dramática na vida de pessoas e paisagens. No Rio Grande do Sul (RS), após a estiagem que levou municípios a decretarem calamidade pública no verão de 2023, agora é o excesso de chuvas que tem acarretado desastres.
Quatro ciclones extratropicais desde junho já atravessaram o estado, e, nos últimos dias, chuvas atípicas em volume e intensidade resultaram no maior desastre no território gaúcho em 64 anos: 70 cidades foram afetadas, algumas delas inteiramente destruídas, há milhares de pessoas desabrigadas e desalojadas, havendo 41 mortes registradas.
Enquanto controvérsias surgem no debate público sobre se a intensidade das chuvas e o aumento do nível dos rios poderiam ou não terem sido previstos, um mal-estar começa a se delinear na experiência cotidiana: estamos diante de fenômenos que parecem irromper com cada vez mais frequência e magnitude, atingindo pessoas e lugares que até então se sentiam mais ou menos alheios aos riscos socioambientais.
De fato, o desastre como regra constante é uma das formas pelas quais poderíamos caracterizar o Antropoceno – Capitaloceno, Plantantionoceno, ou como se prefira nomear o tempo presente. Catástrofe ancestral, isto é, resultante de séculos de exploração e expropriação de diferentes formas de vidas, a questão que se apresenta é como “ficar com o problema” sem perder a perspectiva de um futuro habitável.
As redes de solidariedade que rapidamente têm se multiplicado no RS podem nos oferecer uma pista: para adiar o fim do mundo, produzir respostas coletivas parece estar no centro da tarefa que se impõe.
Lorena Fleury. UFRGS
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.