Por Henyo T. Barretto Filho

Publicado originalmente em 09/10/2023

#AbreAspas | Foi com tais palavras que um veículo de comunicação corporativa se referiu à eleição, no último dia 05/10, do líder e pensador indígena Ailton Krenak, com 23 dos 39 votos possíveis, para ser o 7º ocupante da cadeira nº 5 da Academia Brasileira de Letras-ABL – eleição histórica também pelo volume recorde de 15 inscritos. Sete meses antes, Ailton já tinha sido empossado na cadeira nº 24 da Academia Mineira de Letras.

Dá o que pensar uma pessoa indígena, oriunda de um povo que tende a viver a experiência do que nós chamamos de morte como mais uma transformação (como Herz sugeriu em seu ensaio seminal), ser reconhecida por dispositivos que nós criamos para institucionalizar a imortalidade como um modo de vencermos a finitude (a qual, em nossa tradição de conhecimento, nos percebemos condenados).

Nesse sentido, Ailton certamente não será o primeiro nem o último indígena imortal (em sentido amplo), pois os ancestrais indígenas sempre viveram entre os seus; sendo, contudo, o primeiro imortal no nosso sentido paroquial do termo.

Considerando que parte substantiva da obra de Ailton se constitui de transcrições e edições de falas e palestras que ministrou ao longo de sua extensa e expressiva trajetória como líder e pensador indígena, incidindo em momentos transformadores da história recente do país, foi ele mesmo quem deu o tom do significado de sua eleição, ao dialogar com a imprensa: o sentido coletivo da sua presença na ABL como expressão de reparação histórica face aos povos indígenas e o reconhecimento da palavra e da oralidade das tradições indígenas como literatura – uma modesta parcela do tesouro da pluralidade de mundos indígenas naquela instituição.

Se o futuro é ancestral (título de seu mais recente livro, que também interpela nossas definições consolidadas de i-mortalidade), que Ailton na ABL contribua para transformar os sentidos que damos à vida no Brasil de hoje.

Henyo T. Barretto Filho. UnB

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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