Por Danielle Tega
Publicado originalmente em 05/04/2024
AbreAspas | Muitas mulheres que lutaram contra a ditadura militar do Brasil transmitiram suas experiências sobre o período. Seus relatos são encontrados em diferentes modalidades: romances, cartas, autobiografias, poesias, contos, entrevistas, peças de teatro, filmes.
Aquelas que foram sequestradas ou presas políticas fazem uma forte denúncia das torturas às quais foram submetidas, como nudez forçada, estupros individuais e coletivos, colocação de objetos e animais em suas vaginas, violências específicas quando se encontravam menstruadas ou grávidas, abortos causados pelas agressões, entre outras situações nas quais seus corpos foram utilizados enquanto instrumentos de dominação. Esses testemunhos demonstram que, longe de ser cometida por um ou outro torturador que tenha “ultrapassado os limites”, a violência de gênero estruturava o sistema repressivo ditatorial.
As memórias dessas militantes tecem, ainda, críticas às próprias organizações que pertenciam. Apontam o machismo e o autoritarismo de partidos, grupos revolucionários e dirigentes, bem como as árduas condições de clandestinidade vivenciadas naquele contexto repressivo específico. E destacam a importância dos laços afetivos e das amizades construídas, narrando como a solidariedade e o acolhimento que receberam de outras companheiras durante a prisão foram um primeiro espaço de reconstrução de suas subjetividades e de seus projetos políticos.
Esses relatos interferem nas lutas sociais de ontem e de hoje, pois dialogam com outras vozes insurgentes, como as negras, indígenas, quilombolas, camponesas, LGBTQIAPN+, cujos corpos transgressores resistem cotidianamente às repressões estatais.
Danielle Tega. Professora adjunta FCS-UFG e Professora colaboradora PPGS-UFGD
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.