Por Enio Passiani

Publicado originalmente em 15/03/2024

#AbreAspas | As sociedades capitalistas modernas ocidentais foram, ao longo do século XX, sacudidas por eventos catastróficos e traumáticos, como o Holocausto em território europeu, e as Ditaduras Militares na América Latina, acontecimentos que, desafiando qualquer tentativa de representação, convocam os(as) sobreviventes ao seu testemunho, como necessária luta histórica contra o seu esquecimento. Assim, a literatura, como forma figurada da memória, constitui instrumento de luta contra a injustiça e a favor da reparação, como que ocupando o vazio deixado pelo testemunho jurídico, que, diante dos escombros da história, ou se cala ou é calado pelo poder político constituído. Contra o recalque patrocinado por nossas elites impõe-se a literatura testemunhal e, nesse sentido, destaco o romance Em câmera lenta, de Renato Tapajós.

O romance de Tapajós representa uma espécie de trabalho coletivo de elaboração do passado traumático porque permite e amplia a circulação social de um conjunto de experiência dolorosas vividas individualmente, mas que são o produto de condições sociais e históricas que ressoam coletivamente, possibilitando o reconhecimento da dor alheia. A narrativa testemunhal convida ao diálogo e cria a presença de um “eu plural”, representativo de uma condição social e de um cenário de luta política, contribuindo para a construção de memórias coletivas que servem de alicerce para a justiça e a reparação, inspirando o respeito pelos direitos humanos e colaborando para a cristalização de uma cultura mais democrática.

Enio Passiani. Professor do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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