Por Lucas Bártolo

Publicado originalmente em 15/02/2021.

Ao instaurar um período marcado pela doença e distanciamento social, a
pandemia suspendeu o calendário dos festejos populares no país. No universo das escolas de samba do Rio de Janeiro, a potência associativa e criativa de suas comunidades, evidenciada anualmente na produção dos desfiles, passou a ser
mobilizada em redes de proteção e solidariedade. Os barracões de alegorias e as quadrasbde ensaio assumiram novas funções: a confecção de equipamentos de proteção e distribuição de cestas básicas.

Ao longo de 2020, as atividades recreativas foram adaptadas ao contexto de isolamento social. A virtualização de performances e eventos, desde feijoadas até lançamento de enredos, mobilizou o corpo social das agremiações, sinalizando possibilidades de realização do processo ritual pelo qual se constrói uma das principais manifestações simbólicas coletivas do país. O debate público sobre o futuro dos desfiles enfatizou a importância econômica da ‘indústria do carnaval’ e os impactos da pandemia sobre a cadeia produtiva da festa, que deixou milhares de trabalhadores sem renda.

Chegamos ao carnaval de 2021 ainda em plena pandemia, que suspende a temporalidade rotineira, desestabiliza as normas sociais e, no limite, nos despessoaliza em números de contaminados e mortos. Nesta sexta-feira de carnaval, enquanto o prefeito entregava a chave da cidade aos profissionais da saúde, em vez de oferecê-la ao Rei Momo, o Museu do Samba, aos pés do Morro da Mangueira, realizou um ato sem a presença de público. Na cerimônia, o som da batida de um único surdo e o perfume da água de cheiro, derramada por duas baianas que lavavam a entrada do Museu, homenageavam os sambistas vítimas da covid-19. Em tempos críticos, as escolas de samba, habituadas ao ciclo carnavalesco de morte e renascimento, têm reforçado seus laços comunitários construindo redes de ajuda, ao mesmo tempo em que restituem criativamente o direito de ritualizar e atribuir sentido ao mundo.

Lucas Bártolo. Doutorando PPGAS/MN/UFRJ.

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

Deixe um comentário