Por Ligia Fonseca Ferreira

Publicado originalmente em 30/03/2021

O escritor, jornalista, advogado Luiz Gama ocupa um lugar preeminente entre os pensadores e ativistas negros do século XIX. Único a ter vivido a escravidão, tornou-se figura emblemática da luta abolicionista e republicana mais de vinte anos antes da Abolição e da proclamação da República.

Nascido em 1830 em Salvador, é filho da mítica africana Luiza Mahin. Aos 10 anos é vendido como escravo pelo pai, homem branco cujo nome nunca revelou, protagonista do primeiro episódio dramático entre tantos que marcam sua tumultuada, porém ascensional, existência. Na condição de escravizado, chega à capital paulista, onde residiu até o fim da vida. Aos 17 anos aprende a ler e escrever, aos 18 obtém provas de ter nascido livre.

A conquista da palavra o fez trilhar um destino improvável: de ex-escravizado a homem letrado cuja voz pioneira no campo da literatura, da política, da imprensa e do direito se fez ouvir em toda a nação. Depois de publicar 𝘗𝘳𝘪𝘮𝘦𝘪𝘳𝘢𝘴 𝘛𝘳𝘰𝘷𝘢𝘴 𝘉𝘶𝘳𝘭𝘦𝘴𝘤𝘢𝘴 𝘥𝘦 𝘎𝘦𝘵𝘶𝘭𝘪𝘯𝘰 (1859,1861), coletânea de sátiras, lança-se no jornalismo. Participa da criação dos primeiros periódicos ilustrados de São Paulo (𝘋𝘪𝘢𝘣𝘰 𝘊𝘰𝘹𝘰, 𝘊𝘢𝘣𝘳𝘪ã𝘰), funda o semanário Polichinelo, colabora nos principais jornais de São Paulo e da Corte.

Desde meados de 1860, suas estratégias jurídicas imbatíveis na defesa dos escravizados dão contornos específicos ao movimento abolicionista e republicano. Reverenciado em todo o país, falece em 1882 sem assistir ao seu sonho de um Brasil “sem reis e sem escravos”. Mais do que sua fascinante biografia, o principal legado de Luiz Gama são seus escritos.

A obra literária e jornalística que tem vindo a lume demonstra a atualidade, a visão sensível, a análise arguta das questões nacionais de seu tempo, colocando o pensador negro entre os grandes intérpretes do Brasil.

Ligia Fonseca Ferreira (@ligiaferreira.oficial). Professora do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo (@unifespoficial)⠀

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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