Por Maria Raquel Passos Lima

Publicado originalmente em 11/04/2021

A notícia da perda de Marshall Sahlins (1930-2021) traz grande pesar dado o inevitável reconhecimento do seu legado, ao ponto de não soar estranho alçá-lo ao status de clássico da antropologia. Sahlins deixou profundas influências na antropologia contemporânea com obra marcada pelo senso de humor e pensamento inquieto, provocador e aberto a embates. Centrados principalmente na região do Pacífico, seus trabalhos contribuíram para a teoria antropológica, abordando questões que atravessam os campos da antropologia econômica, histórica e política, refletindo sobre parentesco, biologia, religião e sistemas de pensamento, a partir de uma leitura dinâmica e não reducionista da cultura.

Com doutorado em Columbia (1954), Sahlins lança, nos anos 1970, diversos ensaios nos quais critica o homo economicus e a pretensão universalista da racionalidade econômica ocidental, apontando a base cultural do pensamento burguês como uma lógica cultural específica, que chamou de “razão prática”. O embate crítico contra a crença numa racionalidade prática universal atravessa sua obra chegando à interpretação da morte do Capitão James Cook no Havaí em 1779, com Islands of History (1985), e à disputa com o antropólogo cingalês Gananath Obeyesekere, gerando assim um dos debates mais notáveis da história da antropologia.

Diante das críticas, Sahlins reafirma a diversidade das ontologias e das lógicas culturais contra a ideia de uma racionalidade única, que tende a negar a especificidade cultural havaiana. Com seus trabalhos no campo da antropologia histórica, Sahlins contribuiu para o desenvolvimento de questões teóricas sobre a relação entre estrutura e evento, refletindo sobre o problema da mudança cultural. Se a antropologia perde um de seus grandes expoentes, não cabe aqui pessimismo sentimental, pois seu legado intelectual permanece. Que suas ideias continuem em vivaz movimento, contribuindo para o desenvolvimento histórico da antropologia por caminhos tão desafiadores quanto profícuos.

Maria Raquel Passos Lima. Professora do Departamento de Antropologia da UERJ

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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