Por Odara G. de Andrade

Publicado originalmente em 15/05/2021

#AbreAspas | A atuação do governo Bolsonaro durante a pandemia do COVID-19 tem suscitado discussões sobre seu enquadramento no tipo crimes contra humanidade do Tribunal Penal Internacional. Para compreender esse debate, é necessário mobilizarmos o conceito de crimes contra a humanidade como os ataques à população civil de um Estado em que o agente tem o conhecimento de que este ataque é contra civis e se realiza de forma ampla. Não é uma prática isolada ou esporádica, trata-se de um projeto político e de atuação sistemática, devendo se atentar ao contexto do ataque civil. Os ataques aos civis são aqueles que contém a violência aberta, como, por exemplo, nos casos de extermínio. Assim, pela própria posição do Tribunal Penal Internacional, a responsabilização de crimes contra a humanidade deve ser estrita e não deve ser ampliada por analogia, observando a escala do crime (número de vítima e extensão dos danos), a sua natureza a partir dos elementos fáticos de cada conduta (como homicídios, violência sexual), a maneira de agir do agente (se é esporádico ou resultado de uma política, se há elementos de crueldade) e a adequação frente ao Art. 7º do Estatuto de Roma.

Nesse sentido, não estaríamos diante de um crime contra a humanidade ao analisarmos a atuação inadequada de Jair Bolsonaro para diminuição dos riscos do coronavírus. A ampliação do conceito desse crime, nessa situação, é, portanto, uma estratégia sensacionalista e que não lida com as ameaças autoritárias de se reforçar o punitivismo penal. Diferentemente do que se possa soar, falar que Bolsonaro não comete crime contra a humanidade aqui não é compactuar com suas políticas sociais e econômicas. Por mais repugnante que seja sua atuação, não podemos colocar em disputa a própria noção de democracia a partir de uma leitura ampla da tipificação de crimes, ou seja, a partir de práticas autoritárias, para alimentar nossa sede por punição.

Odara G. de Andrade. Mestranda em Direito pela USP no Núcleo de Direito Global e Desenvolvimento da FGV DIREITO SP.

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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