Por Camila Daniel

Publicado originalmente em 15/06/2021

#AbreAspas | Kathlen Romeu comemorava sua primeira gravidez. Seis dias depois, ela é morta. Aos 24 anos, a jovem negra foi alvejada numa operação policial no Complexo do Lins, no Rio de Janeiro, em 8 de junho. Mais uma família negra leva ao túmulo uma jovem e seu filho ainda em gestação. São enterrados uma futura mãe e seu futuro bebê; um futuro pai, quatro futuros avós, futuros primos e primas, tios e tias.

A morte de Kathlen evidencia a brutalidade da antinegritude. Autores como João Vargas explicam a antinegritude como a ontologia da modernidade. Nela, a humanidade se constitui na desumanização de vidas negras. Enquanto somos indispensáveis para as pessoas não-negras se afirmarem humanas, elas nos definem como não-humanos. Nossa presença no mundo é uma ausência, um não-lugar agravado por outras estruturas de opressão como o gênero e a classe. Juntas, elas legitimam a exploração, o silenciamento, a hiperssexualização e a morte de mulheres negras como Kathlen.

A família de Katlhen teve roubada a alegria da vida em troca da dor da morte. Ela enfrenta hoje mensagens de ódio pelas redes sociais e tentativas de lucro da Farm, onde Kathlen trabalhava. A sociedade renova o pacto com a antinegritude como processo subjetivo e social, roubando da Kathlen o direito à maternidade e à vida e da família o direito ao luto. No que denominou “Antropologia indignada”, Luciane de Oliveira Rocha analisa a militância das mães vítimas de violência e discute a maternidade negra como resistência.

Essas mães incorporam as emoções como luta coletiva contra os abusos do Estado, confrontando a desumanização dos filhos e delas mesmas. A justiça por Kathlen exige outra humanidade que não hostilize a negritude. Uma humanidade que garanta às vidas negras as condições emocionais e materiais para florescer.

Foto: Reprodução/Instagram.

Camila Daniel. Professora da UFRRJ (@universidadefederalrural), pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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