Por Marcos Andrade Neves

Publicado originamente em 21/07/2021

#AbreAspas | Não se trata apenas da pandemia em si, das causas e agentes catalisadores de uma emergência de saúde pública dessa magnitude. Se trata, fundamentalmente, de como uma resposta a essa emergência foi articulada e implementada uma vez que a situação tenha se concretizado.

Em meio às rupturas causadas pela pandemia no nosso modo de viver, rupturas cotidianas que produziram tanto distanciamentos quanto novas formas de socialidade, vimos a consolidação do descaso com certas vidas e da morte enquanto projeto e forma de governo. São mais de 500.000 mortes causadas diretamente pela Covid-19, além de outras tantas causadas indiretamente pela política do descaso que optou por responder à emergência por meio do óbito, seja por omissão ou estratégia. A pandemia, e a resposta a ela articulada, produziu não somente mais de 500.000 mortos, mas também acabou por provocar uma reconfiguração da morte enquanto experiência vivida.

Provocou uma reconfiguração nos modos como a morte é gerenciada e trabalhada por um sem número de profissionais que a vivem cotidianamente, seja lidando com familiares ou então preparando e sepultando o corpo. Profissionais que prestam um serviço tão essencial quanto invisível e cuja importância é frequentemente desvalorizada, senão esquecida. Uma reconfiguração da morte que viu velórios serem interditados e despedidas, restritas. Uma reconfiguração que enxugou as possibilidades de ritualizar a morte e, por conseguinte, de expressar e processar o luto.

A combinação entre pandemia e uma política intencional de descaso cristalizou uma situação de profunda e possivelmente duradoura reorganização da vida e da morte enquanto experiências vividas; uma reorganização que afetou não somente os nossos modos de viver e estar no mundo, mas também de morrer nele.

Marcos Andrade Neves (@cctvnow). Universidade Livre de Berlim

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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