Por Michel Nicolau

Publicado originalmente em 02/08/2021

#AbreAspas | Tão típicos dos Jogos Olímpicos quanto nadar, pular e correr são os protestos. Mas, talvez, nenhuma edição dos Jogos tenha dado tantos motivos para isso quanto a de 2021. O orçamento, como de costume, foi 3 vezes maior do que o previsto, mas em um momento em que recursos são necessários para a contenção da pandemia.

Essa que – ao contrário do que pensam os negacionistas – ganhou força com o evento. Em 28/07, o índice de contágio diário chegou a 45,52 por milhão de habitantes, quatro vezes maior do que um mês antes. Não surpreende que às portas dos jogos 80% da população queriam seu cancelamento. E onde, então, estão os protestos japoneses? Aqui e ali sabemos que eles existem, que são fortes, reprimidos. Mas temos poucas imagens, ouvimos pouco a voz de seus participantes. Como é possível?

Desde o fim do século passado, o COI empreende tecnologias para controlar a paisagem olímpica, buscando garantir controle sobre toda produção simbólica que nela ocorre. Esse controle encontrou em Tóquio, sob o argumento dos cuidados com a pandemia, um apogeu apenas sonhado por seus dirigentes. Em 2021 os jornalistas que vão a Tóquio devem se ater às regras contidas no “playbook press”. Entre elas, os profissionais devem detalhar todos seus “os destinos possíveis e planejados” e submeter o plano “para aprovação das autoridades japonesas”.

Os jornalistas são, ainda, proibidos de circularem pela cidade fora dos veículos oficiais do COI pelos primeiros 14 dias e devem manter o mínimo de contato com qualquer pessoa não envolvida nos Jogos. Editores de mídias dos EUA denunciaram essas regras como restritivas à liberdade de imprensa. Jornalistas informaram que eles não podem escolher os lugares que querem visitar, que são rastreados por GPS e que não podem entrevistar “pessoas ordinárias” pelas ruas. Neste cenário, a paisagem olímpica é plenamente controlada pelo COI e é só dela que temos notícia. Ao seu redor há o ruído dos que querem produzir uma outra paisagem.

Michel Nicolau. Professor do Departamento de Sociologia do IFCH/Unicamp (@unicamp.oficial)

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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