Por José Szwako e Horacio Sivori

Publicado originalmente em 02/09/2021

#AbreAspas | Passados cinco anos do golpe que destituiu Dilma Rousseff, não cessamos de ver nossos horizontes devastados. Se o tempo pesa com o desgoverno e com a pandemia, ele nos permite ver, em um plano mais extenso, o que ocorreu naquele fatídico ritual no Congresso. As reações imediatas foram de perplexidade com a evocação de deus, igreja e afins, nos votos contra a presidente. A política parlamentar, para muitos, não é lugar para convicções religiosas. Um modelo republicano e secularista de laicidade teria sido ali corrompido. E como bode expiatório da crítica foram escolhidas as lideranças neopentecostais.

No entanto, as evocações religiosas não foram significativamente mais preponderantes que outras fontes morais de representação do mundo. Dentre elas, a defesa de um modelo patrimonialista de família foi ovacionada no Congresso. Por que derrubar Dilma? Pela família e pelas nossas crianças, argumentaram boas parcelas de nossos congressistas, forçando ou aderindo a um pânico familista. Mas, para desgosto de quem acredita em um espírito igualitário do secularismo, a evocação da família não foi exclusividade da oposição golpista, tendo também permeado várias das defesas pró-Dilma.

A distância e a comparação lançam nova luz sobre o golpe, suas gramáticas e seus atores. Por um lado, a defesa da família nos deixa notar que esse não é apenas um valor para congressistas, mas também para as bases eleitorais que eles logram representar. Por outro lado, a performance das lideranças religiosas denota o longo aprendizado político (ele próprio secularizante) pelo qual elas vêm passando desde quando lhes era vantajoso, política e eleitoralmente, estar ao lado da coalizão governista. Quando o barco petista ruiu, esses partidos e congressistas mudaram de lado pois sua racionalidade não é só nem sobretudo “religiosa”, mas porque eles são e se tornaram, goste-se ou não, atores políticos.

José Szwako e Horacio Sivori. UERJ (@uerj.oficial)

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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