Por João Pedro Silva-Santos
Publicado originalmente em 12/10/2021
#ANPOCSComPipoca | Após as eleições gerais na Bolívia, em outubro de 2019, os atos de violência assistidos nos departamentos de Cochabamba, Potosí e Santa Cruz, conduzem a cineasta Maria Fernanda Rada a um novo projeto documental.
A princípio, a ideia era denunciar o perfil paramilitar de extrema-direita dos grupos que estavam por trás daqueles atos. No entanto, o golpe de Estado de novembro de 2019 e o regime de violência instaurado pelo governo interino de Jeanine Áñez acabam determinando uma série de mudanças no roteiro original.
Em agosto de 2020, os bloqueios e protestos contra o adiamento das eleições oferecem uma nova esperança. Há, por fim, uma história sobre o golpe, mas também uma história sobre a luta do povo boliviano para revertê-lo. A narrativa circular que se constrói a partir da k’oa, o ritual andino dedicado à Pachamama que aparece no início e no final do filme, traduz a profecia de Túpac Katari que a cineasta buscou exprimir: “Voltaremos e seremos milhões”.
Realizado a partir de imagens de celular e registros de acontecimentos coetâneos, depoimentos de políticos, militantes e intelectuais, e uma narração em off que articula os diferentes fragmentos, “Fue Golpe” é um documentário aberto e alinhado às experiências mais radicais do cinema político latino-americano. No lugar da narração subjetiva e “vertiginosa”, o filme apresenta uma narração objetiva e didática, que busca a identificação do espectador e toma partido pelo “proceso de cambio” do Movimiento al Socialismo (MAS).
O alinhamento apresenta aspectos negativos. O difícil equilíbrio, que sempre existiu, entre um projeto estatal-desenvolvimentista e um projeto alternativo, baseado em cosmogonias indígenas e comunitárias, é apresentado de forma redutora, como “concessões à burguesia”. Contudo, também apresenta aspectos positivos, sendo eficiente na articulação de um repertório de lutas e em seu propósito de denúncia dos setores que tomaram de assalto o poder.
João Pedro Silva-Santos. UFRRJ (@universidadefederalrural)
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.