Por Samuel Vida

Publicado originalmente em 17/11/2021

#AbreAspas | A decisão do STF, em 28/10/21, equiparando a injúria racial ao racismo deu visibilidade a um importante capítulo da luta negra por cidadania no pós-abolição. Desde 1945, quando a Convenção Nacional do Negro, sob a liderança de Abdias Nascimento, apresentou à Assembleia Constituinte proposta de criminalização do racismo, diversas iniciativas foram apresentadas e descartadas pelo aparato estatal.

Em 1988, a mobilização negra no processo constituinte conquistou a criminalização do racismo. Dispôs o artigo 5º, XLII, da CF: “a prática do racismo constitui crime inafiançável, imprescritível e sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.”

Em seguida, foi aprovada a Lei 7716/89 – Lei Caó – tipificando as condutas racistas e estipulando as penas correspondentes. Sobreveio o veto presidencial de quatro artigos retirando parte do alcance e contundência projetados. Desde então, a aplicação/interpretação da lei debateu-se com obstáculos tendentes a transformá-la em uma “lei pra inglês ver”. As instituições policiais, o Ministério Público e a Magistratura completaram a fragilização da legislação enquadrando denúncias como delitos de menor potencial ofensivo sujeitos a regimes punitivos mais brandos. A principal manobra consistiu na desclassificação dos crimes de racismo para os crimes de injúria, quase sempre ensejando a impunidade a beneficiar os réus.

O protagonismo negro produziu novas iniciativas jurídico-institucionais: exigiu delegacias especializadas, promotorias de combate ao racismo e propostas de aperfeiçoamento legal. Através da Lei 9459/97, conquistou-se a criação de espécie qualificada de injúria, a racial, buscando capturar para a esfera da punibilidade os agressores racistas protegidos pela resistência e cumplicidade institucional.

A decisão adotada pelo STF põe fim à manobra escapista distintiva estabelecendo que a norma constitucional condenatória da prática do racismo abrange também o crime de injúria racial, sendo esta uma espécie do gênero racismo.

Samuel Vida (@samuelvida12). Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA, @ufbaempauta) e Coordenador do Programa Direito e Relações Raciais.

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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