Por Antônio Sérgio Alfredo Guimarães

Publicado originalmente em 24/01/2022

#AbreAspas | Numa primeira aproximação, definamos racismo reverso como atitude de distanciamento e comportamento discriminatório infligidos por membros de uma raça Y a uma raça X, a qual submete Y a igual tratamento. Ou seja, que replicam em sentido contrário as atitudes, os comportamentos e o distanciamento dos quais são alvo. Estaríamos assim situados no plano das relações intersubjetivas.

De um lado, estão os que negam a existência do racismo reverso, dado o caráter estrutural do racismo; do outro, os que negam a existência do racismo enquanto estrutura. Tratarei apenas dos primeiros. Distinguindo o conjunto preconceito racial (atitudes), discriminação racial (comportamento), discursos (doutrinas) e racismo (relações sociais de poder razoavelmente estáveis) parece claro que o “racismo reverso” seria uma contradição em termos. Tomando o exemplo do racismo anti-negro, a reversão de tal conjunto implicaria numa situação em que os negros tivessem o poder de instituir socialmente suas atitudes e comportamentos preconceituosos e discriminatórios contra os brancos em todas as organizações sociais. Uma espécie de distopia antirracista. Como tal distopia parece francamente irreal, a conclusão é de que ao falar de racismo reverso confundem-se níveis de análise: tomam-se preconceitos e discriminações de indivíduos por estruturas sociais.

Sumariando, falamos de racismo quando uma parcela da sociedade tem o poder de definir a si e definir a outras parcelas enquanto raças portadoras de diferentes qualidades, valores e humanidade. O racismo reverso de que tratamos na definição preliminar seria do mesmo tipo do racismo introjetado, expressão que se refere a pessoas que interiorizam os valores racistas, se auto-sabotam e odeiam a si mesmas. Em ambos os casos, estamos tratando de uma mesma constelação de racismo, seja anti-negro, seja antissemitismo, que está inscrito em instituições sociais, da linguagem às estruturas burocráticas. No primeiro caso, a revolta se transmuta em ódio ao grupo opressor; no segundo, se completa em ódio ao seu próprio grupo racial.

Antonio Sérgio Alfredo Guimarães (@asagmrs). Titular USP (@usp.oficial) / Visitante UFBA (@universidadefederaldabahia)

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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