Por Felipe Magaldi
Publicado originalmente em 18/05/2022
#AbreAspas | O reconhecimento do Estado brasileiro sobre as mortes e desaparições ocorridas durante a ditadura militar (1964-1985) remonta a 1995, com a criação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Naquele momento, o órgão se limitou a indenizar os familiares. Deixando o ônus da prova às vítimas, abriu pouco espaço para o esclarecimento das violações.
A partir de 2002, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça passou a contemplar outros atingidos, tais como ex-presos políticos. Medidas de reparação simbólica e livros-relatórios sugiram na mesma década. Entretanto, foi somente em 2012, quase trinta anos após o fim da ditadura, que um organismo público se dedicou à investigação sistemática sobre o período. Surgida na esteira do Programa Nacional de Direitos Humanos III (PNH-3, 2009), a Comissão Nacional da Verdade colheu testemunhos, examinou documentos e conseguiu identificar 434 mortes e desaparições (1946 -1988). Além disso, originou um relatório com 29 recomendações, incluindo a responsabilização penal dos algozes.
Hoje, dez anos depois, tanto os avanços quanto as limitações dessas iniciativas ficaram evidentes. Contrariando as expectativas lineares, houve um desmantelamento dos órgãos de anistia durante as presidências de Michel Temer e Bolsonaro. Na voz deste último, o elogio público da tortura – mais que sua “negação” – se tornou ainda mais cotidiano. As tentativas de revisão da Lei de Anistia de 1979 – que impede o julgamento dos repressores – não se concretizaram. Por outro lado, as questões de raça, classe, etnia, gênero e sexualidade, anunciadas timidamente na CNV, têm ganhado cada vez mais força nas lutas pela memória. A observação da continuidade da violência de Estado aponta também para a necessidade de reescrever o passado colonial para poder anunciar um possível futuro democrático.
Felipe Magaldi. Doutor em Antropologia Social (@ppgasmn), pós-doutorando @unifespoficial e colaborador @cmv.ufrj
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.