Por Desirée Azevedo

Publicado originalmente em 05/04/2023

#AbreAspas | Segundo muitos pesquisadores, nos separam daquele fatídico 1° de abril uma violenta ditadura e uma transição democrática “incompleta”. Prolongada até a comissão da verdade, ela encontrou em 2016 um novo golpe. Com ele, novas apostas analíticas na dicotomia Ditadura/Democracia mantêm o passado como referência incontornável das reflexões sobre o presente e as projeções de futuro.

Receios de uma “nova ditadura” que se misturam à fórmula segundo a qual a violência atual é “resquício” do mal acabado regime anterior. Os acontecimentos dos últimos anos nos provocam a repensar a violência de Estado e o enquadramento
das memórias coletivas à luz de suas seletividades.

Após 5 anos, as Forças Armadas estão novamente proibidas de comemorar o golpe. Espanta que, com isso, a data tenha passado quase despercebida. Dentre as poucas manifestações, o Cordão da Mentira fez, em São Paulo, seu tradicional escracho a lugares de memória da “violência política”. Mas se o cordão nasceu para lembrá-las, suas protagonistas hoje são Mães de Maio, de Osasco, de Paraisópolis, do Curió, de Manguinhos, da Maré, entre outras vítimas de uma violência que temos tratado como ordinária.

Democracia das Chacinas, elas dizem. Para quem é a voz do filho executado, ditadura não é um fantasma que assombra, mas realidade que “pacifica” seletivamente. Fruto de uma transição que se completou como regime capaz de acomodar a politização da violência contra os que possuem o privilégio de ter reconhecida sua agência política à despolitização da violência cometida ontem e hoje contra a população marginalizada por critérios raciais, sociais e territoriais.

Enquanto a chacina de uns for condição de haver direitos para outros, ditadura e democracia pairam como categorias abstratas frente a concretude material dos corpos e vivências daqueles que teimam em sobreviver.

Desirée Azevedo. Unifesp

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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