Por Diego Nunes

Publicado originalmente em 26/06/2023

#AbreAspas | A criminalização das tentativas de deposição de uma autoridade política constituída sempre existiu na tradição jurídica ocidental. Em Roma surgiu o crime lesa majestade, que teve longa duração no direito medieval e pré-moderno. Nas revoluções burguesas, em particular a francesa, esse conceito sofre uma transfiguração: o crime de lesa república não ofende a pessoa do príncipe, que via o estado como patrimônio privado, mas a própria organização política que é pública. Disso surge a visão liberal de crimes políticos no século XIX, como ato altruístico de inconformismo em prol da coletividade. Os regimes autoritários do século XX vão lê-los como atos de inimigos de si mesmos. A consolidação das democracias passou a entender que a tutela seria aos regimes constitucionais então estabelecidos.

No Brasil, o direito penal sempre abrigou tal figura, seja como crime contra a segurança do Estado, no Império e 1ª República, ou como crime contra a segurança nacional, da Era Vargas à Ditadura Militar. Não se trata de variação lexical: da tutela liberal das instituições políticas passou-se a uma visão autoritária que confundia governo e regime, com as ideias de guerra subversiva e psicológica contra a ameaça comunista. Apenas após 30 anos da atual constituição que se revogou a Lei de Segurança Nacional e se inseriram crimes contra o Estado Democrático de Direito no código penal. Dentre eles, foi incluído o Golpe de Estado: “Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”.

Simbolicamente, mudou-se a expressão “a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito”, que se identificava com a ditadura, que não era nem legítima, nem democrática. Ainda que na prática isso não faça tanta diferença: toda punição a um golpe de estado se dá quando a tentativa é frustrada. Se vencedora, o novo regime não possibilitaria a sua autopunição.

Diego Nunes (@profdiegonunes). Professor de história do direito penal da Ufsc, co-líder do Ius Commune @iuscommuneufsc grupo de pesquisa em história da cultura jurídica

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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